Ser cidadão na acção

Se ser cidadão português já se afigura um exercício de acotovelamento entre a multidão, ser cidadão europeu implica uma consciência de três níveis de consciência e auto-estima identitária, de difícil gestão.

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Enric Vives-Rubio

Desde o Tratado de Maastricht, ou seja, há cerca de 20 anos, que qualquer nacional de um Estado Membro da União Europeia é considerado, também, “cidadão europeu”. Esta condição — a de cidadão da União — foi criada com o objectivo de promover e de reforçar a identidade europeia, ainda que não sejam poucos os que duvidem da existência desta última. Com efeito, a multiplicidade e a diversidade no seio de uma Europa pretensamente unida têm sido alvo de acesa e polémica discussão aos mais diversos níveis, mas não é dessa querela que trataremos aqui.

Mais do que pensar na (in)existência de um denominador que aglutina e cria comunhão, interessa-nos perceber de que modo, nestes 20 anos, tem vindo a cidadania europeia a ser, na prática, implementada e trazida à vida de cada um.

Se ser cidadão português já se afigura, tantas vezes, um exercício de acotovelamento entre a multidão, ser cidadão europeu implica uma consciência e um reforço de três níveis de consciência e auto-estima identitária, de difícil gestão.

Em primeiro lugar, a de cada um, enquanto indivíduo que pode “agir”, no sentido verdadeiramente “arendtiano” e político do termo: “Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política”, e, além das actividades do labor e do trabalho, explicava Hannah Arendt, “a acção é a mais intimamente relacionada com a condição humana da natalidade […] porque o recém-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir.”

Depois desta consciência individual da cidadania, e, em segundo lugar, importa reforçar a auto-estima da identidade nacional, que implica pensar o nosso país como espaço público de actuação. Fazer da democracia participativa um exercício quotidiano real e não uma abstração, e, muito além do direito de voto, conhecer e utilizar os direitos de petição, de informação política, de acção popular, de participação em assembleias populares e de iniciativa legislativa.

Curiosamente, a possibilidade de 35.000 cidadãos “forçarem” a Assembleia da República a tomar uma decisão acerca de determinada matéria está expressamente prevista, no artigo 167.º da nossa Constituição, desde 1997, e devidamente regulamentada desde a Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho.

Alcançado este segundo nível, o do pleno exercício do direito de participação na vida pública — a nosso ver, um dos mais “humanos” que a nossa Lei Fundamental reconhece — estamos então aptos a considerar ao nosso alcance a cidadania Europeia enquanto mecanismo fazível de construção de um espaço público comum, maior e mais exigente.

Por isso, não quisemos deixar passar em branco a Iniciativa de Cidadania Europeia, implementada no passado dia 1 de Abril, que dá operatividade ao Regulamento n.º 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011. Uma iniciativa de cidadania europeia é um convite para que a Comissão Europeia apresente uma proposta legislativa, em domínios em que a União tem competência para legislar, e deve ter o apoio de, pelo menos, um milhão de cidadãos da União, provenientes de, no mínimo, sete dos 27 Estados-Membros.

É, talvez, um passo aquém do necessário para fazer, de cada um, um cidadão europeu. Mas é, sem dúvida, um passo em frente para evitar que a educação para a cidadania seja, como lembra Norberto Bobbio, mais uma promessa não cumprida da democracia real, por referência à democracia ideal.

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