André Villas-Boas: um treinador de ego vazio e de bolsos cheios

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André Villas-Boas foi despedido depois de o Tottenham ter sido goleado pelo Liverpool Eddie Keogh/Reuters

André Villas-Boas é um seguidor de Marcelo Bielsa e ainda recentemente citou o treinador argentino que dirige o Athletic de Bilbau. “Um treinador é um vendedor de ideias e os jogadores têm de as comprar”, disse o português em entrevista à TSF. Ontem, Roman Abramovich anunciou o despedimento de Villas-Boas do cargo de treinador do Chelsea, um clube em que o jovem técnico foi incapaz de vender as suas ideias a um grupo de jogadores com muito sucesso no passado.

Na Académica e no FC Porto, Villas-Boas foi sempre elogiado pela relação próxima com os jogadores. A idade (34 anos, feitos em Outubro) era vista como uma vantagem na hora de perceber como estabelecer contacto com jovens talentosos, ricos e famosos, como são muitos dos futebolistas.

Mas no Chelsea cedo começaram os rumores de que a relação do treinador com alguns dos craques não era a melhor. Frank Lampard, que muitas vezes ficou no banco, assumiu mesmo não ter a relação “ideal” com o jovem português. Nesta batalha de egos, Villas-Boas escudou-se sempre no apoio de Roman Abramovich, tentando ganhar tempo para uma “limpeza no balneário”.

“O dono [do clube] não pagou 15 milhões de euros ao FC Porto para agora pagar outra fortuna a despedir-me”, dizia Villas-Boas em Novembro, quando começou a ser contestado. Ao longo dos últimos meses, o português insistiu sempre no apoio do milionário russo ao seu projecto de renovação do Chelsea, embora, na semana passada, em entrevista à TSF, tenha pela primeira vez deixado em aberto a hipótese de o dono do clube londrino voltar ao seu “padrão cultural” de despedir treinadores, quando as coisas não estão bem.

E, de facto, a paciência do milionário russo (embora maior do que noutras ocasiões) esgotou-se depois da derrota de sábado frente ao West Bromwich (1-0), que deixou os “blues” a três pontos do quarto lugar da Premier League, o último que dá acesso à Liga dos Campeões.

“Esqueçam o Nápoles, esqueçam o Birmingham [próximos adversários do Chelsea na Liga dos Campeões e na Taça de Inglaterra]. O mais assustador para Abramovich terá sido o risco de não se qualificar para a Liga dos Campeões”, analisou ontem Gary Neville, ex-jogador do Manchester United, em declarações à “Sky Sports”.

No comunicado em que anunciou o despedimento do português (que, segundo o “Guardian”, foi informado ainda no sábado), o Chelsea diz que pretende ser o mais competitivo possível na Liga dos Campeões, na Taça de Inglaterra, bem como lutar pelo quarto lugar no campeonato. “Tendo isto em mente, sentimos que a nossa única opção era fazer esta mudança agora”, explica o comunicado.

Como disse Gary Neville, Abramovich percebeu que “os jogadores não iam jogar para Villas-Boas” e abriu mão do treinador que em Junho transformou no mais caro de sempre.

As razões do insucesso

Nos oito meses e 12 dias em que comandou o Chelsea, Villas-Boas foi culpado de más decisões, mas também vítima das circunstâncias. Embora investindo menos do que noutras épocas, o clube londrino, ainda assim, gastou cerca de 100 milhões de euros em reforços que pouco acrescentaram à equipa. Juan Mata (26,7 milhões de euros) foi o único com rendimento próximo do expectável, enquanto o avançado belga Romelu Lukaku (22 milhões) se revelou uma total desilusão.

Para o insucesso de Villas-Boas, que deixa a equipa no quinto lugar da Premier League, contribuiu também uma equipa envelhecida, com vários jogadores de peso em trajectória descendente (Terry, Lampard, Drogba, Anelka). Essien esteve lesionado durante boa parte da época e Fernando Torres, por sua vez, continua a ser uma sombra do grande avançado dos tempos do Atlético de Madrid e do Liverpool, enquanto a defesa acumulou erros atrás de erros.

A curta passagem de Villas-Boas pelo Chelsea fica ainda marcada pelo crónico fracasso nos jogos com os outros “grandes”. Perdeu com o Manchester United (3-1 em Old Trafford), Arsenal (3-5 em Stamford Bridge) e Liverpool (1-2 para o campeonato e 0-2 para a Taça da Liga, ambos em casa) – a excepção foi o embate com o Manchester City (2-1 em Londres). Junte-se ainda o facto de o Chelsea, para o campeonato, ter somado três derrotas e dois empates em Stamford Bridge, onde habitualmente era imbatível.

Fiel à sua ideia de futebol de passe curto e fluente no inglês, Villas-Boas foi sempre um treinador com um discurso forte perante a imprensa. E que até cativou os jornalistas, habituados a estrangeiros com dificuldades linguísticas ou treinadores com pouca vontade de conversar sobre futebol. Mas, como escreveu ontem Dominic Fifield no “Guardian”, o português acabou por “ser vítima da sua própria honestidade”. Ao defender que o que importa é ter o apoio do dono e não dos jogadores, ao assumir, após o jogo em Nápoles, que Abramovich tinha questionado a equipa escolhida ou ao dizer que o Manchester City é uma equipa muito melhor do que o Chelsea, o português expôs-se em demasia.

Que futuro?

Os últimos meses da carreira de Villas-Boas mostram como é fácil no futebol passar de “hero to zero”, como dizem os ingleses, ou de “bestial a besta”, em bom português. Há nove meses, o jovem portuense era apontado como o menino de ouro do futebol europeu, candidato a sucessor de José Mourinho, depois de ter conquistado quatro troféus pelo FC Porto (campeonato, Taça, Supertaça e Liga Europa).

A transferência para o Chelsea acentuou ainda mais as comparações com Mourinho, de quem Villas-Boas descola agora pelas piores razões. É que o “Special One” também foi vítima da impaciência de Abramovich, mas deixou Stamford Bridge com dois títulos ingleses, enquanto Villas-Boas sai de mãos a abanar.

Os caminhos de Mourinho e Villas-Boas, aliás, continuam a cruzar-se. O despedimento ontem anunciado e a nomeação do ex-adjunto Roberto di Matteo como treinador até ao final da época aumentam a especulação sobre um hipotético regresso de Mourinho ao Chelsea, embora seja muito cedo para saber se o português estará disposto a receber novamente ordens do milionário russo.

Já Villas-Boas é agora um treinador em boa situação financeira, mas com a confiança em baixo, como se o balão do sucesso se tivesse esvaziado. O PÚBLICO tentou confirmar se o valor da rescisão de contrato já estava acertado, mas não foi possível. Certo é que Villas-Boas ganha cinco milhões de euros por época, o que significa que, se não abdicar de receber o seu contrato até ao fim, terá direito a uma indemnização superior a dez milhões de euros. Bem mais complicado será escolher o próximo passo de uma carreira que começou de forma meteórica e que agora sofreu um forte abalo.

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