O regresso a casa de Whitney Houston

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"A voz", como ficou conhecida nas décadas de 80 e 90, não precisou de cantar uma única nota para ser aplaudida de pé pela plateia de figuras públicas e jornalistas Mario Anzuoni/Reuters

A reabilitação está em marcha e com o álbum "I Look To You" o sucesso volta a bater à porta de Whitney Houston. Em Londres, afirmou que se sente outra vez em casa, depois de anos nas primeiras páginas dos tablóides de escândalos.

"A voz", como ficou conhecida nas décadas de 80 e 90, não precisou de cantar uma única nota para ser aplaudida de pé pela plateia de figuras públicas e jornalistas. Whitney Houston, cuja carreira de sucesso como cantora e actriz foi ensombrada nos últimos anos por vários escândalos, entrou muito sorridente na sala, dirigiu algumas palavras à assistência, abraçou-se ao seu mentor, Clive Davis, emocionou-se e desapareceu. Foi há semanas, em Londres, numa sessão de audição do novo álbum, "I Look To You". É natural que tenha sido assim.

Havia expectativa em saber se conseguiria regressar com dignidade depois do insucesso, há seis anos, do último álbum e, sobretudo, depois das histórias sobre a vida privada com alegações de consumo de aditivos e um casamento tumultuoso.

Depois de ouvido o disco, os admiradores na sala respiraram de alívio.

Os que não estavam na sala também parecem ter gostado do que ouviram, porque entretanto "I Look To You" já está nas lojas e trepou pelas tabelas de vendas de todo o mundo, com destaque para o primeiro lugar do poderoso top americano.

Uma hora e meia antes, à porta do Mandarin Oriental Hotel, em Knightsbridge, já se percebia que andava estrela pop à solta pelas redondezas, com uma pequena mole humana à entrada. Lá dentro, outro tipo de multidão circulava de champanhe na mão, sorridente, esperando ansiosamente.

Mas primeiro, o homem que descobriu Whitney Houston ocupou o palanque.

Clive Davis, produtor, executivo, fundador da Arista, um dos homens mais influentes da indústria, veio para apresentar o disco e falar da sua protegida. Foi inteligente. Começou por afirmar que, ao longo dos anos, não havia descoberto apenas Houston nomes como a já falecida Janis Joplin ou Bruce Springsteen também constavam da sua lista de achados mas que em termos de voz, ninguém se comparava a ela.

Ouviu-a, pela primeira vez, num clube nocturno, tinha ela 17 anos, e intuiu logo que havia ali qualquer coisa.

Essa coisa, disse, era uma voz inigualável e uma atitude em palco autêntica.

Depois tratou de enquadrá-la num contexto o das grandes vozes negras. Não os compositores, os produtores, os instrumentistas. Mas vozes como Sarah Vaughan, Lena Horne ou Ella Fitzgerald.

Davis veio reafirmar aquilo que já se sabia, mas fê-lo de forma astuta perante uma plateia de profissionais.

Disse-nos: Houston não pode ser enquadrada na hegemónica tradição da cultura rock.

Antes de mais, é uma intérprete de reportório que, hoje em dia, se divide entre o apelo a um público maduro que se revê na tradição das grandes vozes negras, e um público mais jovem que consome soul ou R&B e guarda dela uma imagem idealizada.

O álbum, que segundo Clive Davis começou a ser pensado há três anos, também respira essa ambivalência.

As letras são genéricas, focando temáticas "adultas" como a determinação ou o triunfo sobre a adversidade, naquilo que parecem referências subtis à reabilitação da sua vida privada.

A música divide-se entre baladas, canções R&B de batida sincopada e temas de dinamismo dançante, com um naipe de colaboradores, entre compositores e produtores, como Alicia Keys, Diana Warren, Akon, R. Kelly, Stargate ou Danja, a contribuir para um resultado final digno.

Inevitavelmente o regresso de Withney Houston faz eco com a morte recente de Michael Jackson. Ambos se afirmaram globalmente nos anos 80, em grande parte graças à MTV.

Reabilitação

Os dois experimentaram, também, o outro lado de ser estrela planetária, com a vida privada esmiuçada ao pormenor.


Ambos tentavam agora reabilitar-se. No caso de Houston as dúvidas prendiam-se, em parte, com a sua voz. Estará menos elástica, mas nada de mais. Há quem argumente mesmo que essas restrições são positivas, impedindo-a de laivos histriónicos, como acontecia no mega-sucesso "Always love you", e não estarão longe da razão.

Quando Clive Davis deu por encerrada a sessão de audição do disco lá surgiu ela, polida, sorrindo, uma senhora.

Abraçou Clive, como quem abraça o seu salvador. Ele retribui, com palavras, como se ela ainda fosse a sua menina. "Conhecemo-nos há 26 anos, agora vais voltar a cantar, estás preparada?" lançou-lhe.

Por momentos ainda se pensou que fosse mesmo cantar, ali. Mas não. Sorriu apenas. A pergunta era genérica, como quem interroga se está preparada para enfrentar o mundo do espectáculo, outra vez. Virando-se para plateia disse que os anos em que havia estado perdida tinham acabado. "Agora estou outra vez em casa, onde pertenço", e olhou na direcção de Davis.

"Este disco diz tudo o que quero dizer agora", terminou. Depois foi-se, acenando, parecendo verdadeiramente emocionada.

Foi curto, mas ninguém se importou muito. Os que ali estavam já haviam confirmado que a "A voz", apesar de não ter cantado, ainda sabia cantar.

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