Desconcertante John Maus

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Galeria Zé dos Bois, quarta-feira

Não faltam pompa, negrume gótico oitentista, sintetizadores engalanados, uma voz que parece reunir em si todo o catálogo dos anos 80 urbano-depressivos. Mas esqueçam: o que John Maus nos propõe não é a enésima revisitação do pós-punk, antes uma singularíssima (re)visão desse período a que acrescenta uma muito contemporânea falta de ironia. Confusos? Nós também.

É que não é um artista normal. Cita Adorno, Heidegger e Kant em entrevistas (estudou Filosofia, depois de cursar Artes na Califórnia, onde conheceu Ariel Pink; agora estuda Filosofia Política). Em "mixtapes", coloca coisas de gosto duvidoso (ainda há "gosto duvidoso" no ano da graça de 2011?) ao lado de música barroca, uma das suas obsessões.

Surge, justificadamente, associado à vaga de artistas "hipnagógicos" (Pink, James Ferraro, Spencer Clark), mas está numa liga só dele. Ele não nega a ligação a Pink e o que ele diz sobre o colega de curso, com quem colaborou, pode ser aplicado, em boa parte, a ele. "Ariel Pink marca não apenas a ressurreição de uma certa sensibilidade pop, mas também o nascimento do lo-fi. (...) É uma forma de pensar sobre a música popular que é mais interessante do que este imperativo irracional de caminharmos para um som mais claro", disse ao "site" Altered Zones.

Em Junho, John Maus lançou o aclamado "We Must Become the Pitiless Censors of Ourselves", que demorou dois anos a fazer (coisa pouca, se comparado com os cinco anos que levou a fazer o álbum de estreia, "Songs", editado em 2006).

O novo álbum, um dos melhores de 2011, evoca mil e uma coisas: sintetizadores "italo", pop épica dos 80s (o refrão de "Believer" pede um estádio), opulência barroca, melancolia imensa com teclas gloriosamente pirosas à Jan Hammer, refrões desconcertantes ("Pussy is not a matter of fact") e uma canção sublime, "Quantum of Leap", que imagina o que poderiam ser os Joy Division em meados dos anos 80, se Ian Curtis não tivesse desaparecido.

Noutra entrevista, define bem o seu lugar ambíguo. "Não percebia que a música que estava a fazer era especialmente estranha", afirmou ao "site" Self-Titled. "Honestamente, pensei que estava a fazer coisas ao estilo do ‘top' 40. Só quando as pessoas me começaram a dizer aquilo é que percebi que o meu trabalho é entendido como algo diferente da ideia que tinha".

Diz-se que os seus concertos são catárticos e que, por isso, Maus não aguenta várias noites de actuações seguidas. Mais uma razão para aparecer na lisboeta Galeria Zé dos Bois, na próxima quarta. Na primeira parte estará o cúmplice estético Gary War (actua também no Porto, no dia anterior, no Passos Manuel), que pega no futuro inventado por músicos do passado e, em vez de embarcar num mero exercício nostálgico, devolve-o à estranheza original.

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