Rui C. vai, provavelmente, dizer adeus à arquitectura

Em Londres, ganhava três mil euros por mês. Cá fica-se pelos três euros por hora. Tem um bom currículo, mas a falta de emprego pode obrigá-lo a “hipotecar 14 anos” da sua vida

Com 33 anos, Rui C. já trabalhou em Milão enquanto fez Erasmus, esteve dois anos em Londres ao serviço da Capita Symonds - Capita Architecture (onde, por exemplo, assinou um estudo prévio para um novo cais do Aeroporto de Gatwick), colaborou no projecto de execução do novo Museu dos Coches (através do gabinete Ricardo Bak Gordon Arquitectos), tem uma pós-graduação em Arquitectura Sustentável e actualmente frequenta um doutoramento em Arquitectura. 

Ter um bom currículo não é garantia de emprego. Desde que chegou a Lisboa que tem vivido de colaboração esporádicas e, em geral, “mal pagas”. Casado, com uma filha, vai ser novamente pai em Janeiro. A mulher, também arquitecta, trabalha num gabinete que, “tem-se aguentado”, mas a falta de pagamento dos clientes faz temer o pior. Se o cenário mais negro se tornar realidade, pensa em voltar “às origens”, a Viseu, deixar a arquitectura e iniciar “um negócio noutras áreas”. “É o mais provável.”

A crise no crédito bancário limitou a construção de novos edifícios e não vai “acontecer um novo ‘boom'” do património edificado “como aconteceu depois do 25 de Abril”, diz. Em simultâneo, há “muitos arquitectos” e “muitos estagiários”, razões que levam Rui a lançar um prognóstico pessimista: "Esta crise não vai estabilizar dentro de dois ou três anos e isso ainda me deixa mais preocupado. É a longo prazo.” 

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Casa Batalha DR

Tomar banho no ateliê e ganhar três mil euros

Já pensou em voltar a emigrar, abrir caminho para a família como já fez no passado. Mas hoje são três, quase quatro. “Ir para Xangai com quatro pessoas... Eu só não faço isso por ainda não ter uma oportunidade, mas é uma grande loucura.” Até porque “está muita gente a mandar currículos para o mundo inteiro, está toda a gente a tentar sair”. Até para Pedro e Catarina, do Estúdio 3, a emigração é uma hipótese “que nunca é posta de parte”.

A diferença entre ser arquitecto em Londres e Lisboa

Em Londres, conheceu uma realidade totalmente diferente. Todos os dias ia para o trabalho de bicicleta e tomava banho no ateliê. O horário era das nove às cinco ("Eles [o ateliê] não gostavam de horas extra"). No edifício falavam-se mais de 40 línguas diferentes. Era um gabinete de arquitectura muito grande. Ganhava o triplo do que receberia em Portugal, cerca de três mil euros. Lá, o trabalho de arquitecto é “extremamente reconhecido” e “os portugueses são muito bem cotados”.

Dois grandes problemas da arquitectura em Portugal

Durante três meses, preparou o caminho para a família. Alugou casa, reservou uma vaga no infantário. “Ia lá para fora por uns bons anos.” A mulher também arranjou trabalho num gabinete de arquitectura mais pequeno, que mais tarde não conseguiu resistir à crise. Despediram 14 pessoas, entre as quais ela, que assim se viu obrigada a regressar a Portugal. Rui ainda tentou permanecer sozinho, mas não conseguiu. Voltou para Lisboa e “foi dramático”. Deparou-se com a "inércia”, a “ausência de emprego”, a “falta de dinâmica”, a “desmotivação” de que Bruna Parro fala.

“Custa muito”, admite. “Eu não sou melhor nem pior do que os outros [arquitectos, mas] tenho mais de dez anos de experiência e parece um bocado inacreditável que esteja a ganhar três euros à hora. São estes os valores que os arquitectos [em Portugal] ganham.”

Se realmente deixar a área, vai “hipotecar 14 anos” da sua vida, mas nunca vai deixar de ser arquitecto. “Gostava muito que isto fosse o resto da minha vida.”

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