A angústia antes do Natal

Nem política, nem surrealismo sorumbático, antes as vidas de banais de um punhado de personagens no momento em que atravessam um situação ligeiramente especial

Os romenos da nova geração frequentaram todos a mesma escola de cinema. Gostam do plano longo, do realismo, e do enigma psicológico. Radu Muntean nasceu em 1971, está “grosso modo” na mesma faixa etária de Cristi Puiu ou Corneliu Porumboiu, mas na verdade isso adivinhava-se ao fim de poucos minutos de “Terça-Feira Antes do Natal” sem precisar de ir à procura da data do nascimento do realizador. E se de facto faz sentido falar em “nova vaga romena” para além do “slogan” em que uma expressão como esta sempre se transforma, o sentido está aí, no “ar de família”, prova de que este “renascimento” do cinema romeno resulta de mais do que uma soma de individualidades, vem também do oxigénio que respiram.


Muntean será, do grupo de cineastas romenos revelados nos últimos anos, o “intimista”. Nem política, nem o hiper-realismo de Porumboiu, nem o surrealismo sorumbático de Puiu, antes as vidas de banais de um punhado de personagens (de uma classe média, digamos, “normal”) no momento em que atravessam um situação ligeiramente especial. Há um homem, o protagonista, que tem uma amante, e não se decide se quer ficar com ela ou voltar para a mulher e para a família - e o tempo da decisão fica marcado para a semana “antes do Natal”. O objecto de análise de Muntean é, portanto, a psicologia masculina, em articulação com o meio ambiente (uma Roménia relativamente “confortável”) e no momento da relação, com uma mulher e com outra. E praticamente não há cenas que não sejam “em relação”, por normas longas cenas e longos planos com o protagonista e ora um par ora outro par. O que de melhor este “sistema” permite a Muntean é o tratamento do detalhe microscópico no trabalho dos actores - os planos largos e demorados, a câmara estática, a tensão (mais anódina ou mais dramática, como na cena em que o homem revela à mulher a existência da amante) a crescer e a acumular-se nas vozes, nos gestos e nos movimentos das personagens. Isso é indubitavelmente bom, mas ao mesmo tempo vai-se adensando uma sensação de facilidade, como se mais do que um “sistema” houvesse um “truque” e o truque trabalhasse em busca de um efeito garantido que por alguma razão nunca é tão impressionante como parece prometer.

O filme acaba em dissipação e em meias tintas, com uma canção de natal a condensar a angústia que fica por esclarecer cabalmente. Também nós acabamos com uma dúvida que fica por dissipar e esclarecer: de Puiu e Porumboiu já vimos o suficiente para jurar por eles, em relação a Muntean falta tirar a prova dos nove.

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