O nosso dinheiro

Ao estabelecer uma relação justa com a realidade "verificável" que é a italiana, a nossa, a do resto do Sul, "A Nossa Vida" retoma a melhor tradição do cinema italiano

Daniele Luchetti é, porventura, o mais conhecido representante (em Portugal, pelo menos) de um cinema "mainstream" italiano que já foi uma coisa gloriosa (e talvez a mais gloriosa das histórias do cinema europeu) e a certa altura deixou de ser - o que não é novidade nenhuma, o jovem Moretti e o velho Fellini fizeram, ao mesmo tempo, filmes sobre o assunto. Também deixou de circular, independentemente das glórias: pode algum espectador português, baseado apenas no que o circuito comercial lhe dá a ver, dizer que "conhece" o cinema italiano contemporâneo? E no entanto os nossos pais e avós tratavam Risi, Monicelli, Zurlini por tu...


Mas com Luchetti, de quem têm estreado vários filmes, tem sido possível estabelecer uma relação, e é certamente preferível que isto aconteça com ele do que com o enjoativo Tornatore, que à boleia do "Cinema Paraíso" encarnou, durante os anos 90, a própria ideia de um cinema popular italiano (infelizes anos, de facto).

Este contexto justifica que se releve "A Nossa Vida", nas suas virtudes e nos seus limites. Variação melodramática, imbuída de um "ar do tempo" muito contemporâneo, sobre o tema do homem de família (empregado na construção civil) que, num ápice, se vê sozinho com os filhos para criar - a maneira como Luchetti prepara este "choque", durante as sequências iniciais, é francamente eficaz. E depois - é aqui que entra o "zeitgeist" - são as "circunstâncias" e a maneira como se reage a elas. Por mais calorosa e inteira que seja a sua humanidade, o protagonista é capaz de ser frio e desumano, de pôr a sobrevivência material à frente de tudo o resto (e como ele diz, se não pode "devolver a mãe" aos filhos, pode dar-lhes "o resto").

É justo dizer que "A Nossa Vida" é um filme que engonha bastante, deriva frequentemente por becos que não vão dar a lado nenhum, e mesmo a sua relação com a música (as canções de Vasco Rossi) tão depressa faz sentido (o sentido de um "coro") como se torna mero efeito. Mas é igualmente justo dizer que tem uma ideia fixa, que não perde de vista (condição para qualquer filme razoável) e que soa terrivelmente certa: o dinheiro. É quase só do que falam, e é quase só do que se fala, como bem sabemos. E nessa relação justa com a realidade, a realidade "verificável" que é a italiana, a nossa, a do resto da Europa (pelo menos da "do Sul", segundo a nova compartimentação oficial), "A Nossa Vida", sem ser brilhante, retoma a melhor tradição do cinema italiano. O tempo da "glória" talvez tenha acabado, mas ainda se está bem a tempo da dignidade.

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