Afinal o amor também morre. E sem glória

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Ramin Karimloo e Celia Graham foram o Fantasma e Christine cortesia target-live

O musical de Andrew Lloyd Webber não conseguiu superar o original Phantom of the Opera. Mas estaríamos realmente à espera disso? Era isso realmente possível? Parece que não

Quando hoje à noite descer pela última vez a cortina no Adelphi Theatre, em Londres, o amor vai mesmo morrer. Love never Dies, a sequela de Phantom of the Opera, a ópera-rock que Andrew Lloyd Webber estreou em 1986, termina ao fim de pouco mais de um ano. Nada no calendário do teatro musical inglês. Um falhanço para esquecer?

A ideia de uma sequela para Phantom of the Opera era antiga. Depois de Christine, uma jovem aspirante a cantora, ter sido objecto de afeição por um estranho mestre, escondido nas caves da Ópera de Paris, que lhe ensinou tudo o que havia para saber e por ela se perdeu de amores, lhe revelar que se apaixonara por outro, Raoul, Erik, o Fantasma jurou vingança e destruiu o teatro. A cena em que o candelabro cai sobre os espectadores é, ainda hoje, arrepiante e causa para os maiores sustos. A peça terminava com Christine e Erik a cantarem All I ask of you, lamento esperançoso de um amor por concluir.

Lloyd Webber tinha-se já afastado do romance original, de Gaston Leroux, ao alterar o final de Phantom of the Opera. No livro, Erik força Christine a prometer que, quando ele morrer, ela regressará para o enterrar. Só assim a deixa partir. Três semanas depois os jornais dão conta de que o Fantasma morreu. A causa indicada foi de coração partido.

Negócio disfarçado

O compositor inglês pensara numa sequela em 1990, "imaginando já que se pudesse passar em Nova Iorque, na viragem do século passado [do XIX para o XX]", alterando um paradigma também ele cultural, onde o fim do mito romântico francês era substituído pela feerie do Novo Mundo" e criando o lugar ideal para que o Fantasma "pudesse estar no seu universo sem ser percebido".

O sucesso de Phantom, depois de ter arrebatado os principais prémios de teatro, tinha contribuído para repensar o próprio sistema de teatro musical londrino. Não, não era apenas um musical. Foi uma alavanca para um negócio disfarçado de entretenimento geracional e socialmente transversal, que hoje gera milhões de libras, define o turismo cultural londrino e estabelece critérios de execução que retiram o musical dos nichos superficiais do discurso corrente e o inscrevem numa reestruturação da música pop.

Aliando frases musicais a partir de óperas de Godunov com os acordes da música que se ouvia nos bares da era Thatcher, Lloyd Webber conseguiu uma harmonia entre texto e música que fez com que Phantom se tornasse, com o passar dos anos, no seu maior sucesso. Ainda hoje, no Her Majesty Theatre, é o musical que há mais anos está em cartaz, tendo ultrapassado Cats, também de Lloyd Webber. As salas estão cheias, as filas para bilhetes começam a criar-se a partir das duas da tarde, há excursões vindas de todo o lado, e as receitas de bilheteira, desde a estreia, perfazem já a módica quantia de 3,5 mil milhões de libras (qualquer coisa como 5,1 mil milhões de euros). Fora os prémios, as 149 cidades, os 25 países e os cem milhões de pessoas que o viram. Um ícone cultural mais do que um espectáculo. Era mesmo precisa uma sequela?

Lloyd Webber achava que sim e a ideia não o largou durante anos, apesar de nunca ter encontrado o argumento certo. A peça foi sofrendo problemas vários, desde a entrada e saída de argumentistas, o cancelamento das estreias simultâneas em Nova Iorque, Singapura e ainda na Austrália e Canadá por descontrolo das despesas, a dificuldade em encontrar um elenco, a doença de intérpretes ou problemas técnicos que adiaram a estreia. E depois houve problemas de índole pessoal, como um cancro na próstata diagnosticado em 2010.

Espectáculo completo

A resiliência de Lloyd Webber superou todos estes obstáculos, mas não a recepção fria da parte da crítica, que esperava entusiasmada pela sequela, e do próprio público, que não esgotou os espectáculos antecipadamente.

Este é um espectáculo completo: a extraordinária capacidade vocal dos intérpretes, o aprumo visual e a composição coordenada da partitura. Nada se compara ao cuidado com que Lloyd Webber trabalha os seus musicais. Não é só entretenimento, é uma lição de teatro. Mas as sete nomeações para os prestigiados Laurence Oliver Awards, que surpreenderam a própria equipa, resultaram em mãos vazias, "thin as air", como na canção. Nada, absolutamente nada.

O problema foi o argumento. Dez anos depois, o Fantasma dirige uma outra companhia e sabe da chegada de Christine a Coney Island. Depressa descobre o seu segredo: tem um filho que é, afinal, resultado da consumação do seu amor. Mas é como se preferíssemos que o amor permanecesse ambíguo, por resolver, contrariado, impossível de se concluir face à violência do dia-a-dia, por mais imaginado que ele fosse. Acreditar que é o próprio Erik que liberta Christine, e que ela, sabendo-o, nunca deixara de o amar, é mais real, do que a historieta de que ela engravidou e, dez anos depois, morre, por acidente com uma arma disparada pela sua rival, Meg, que raptara o seu filho, Gustave. A consumação daquele amor é o anticlimax de uma história que nunca foi sobre luxúria, foi sempre sobre um amor mitificado. Não era carne, era entrega.

Um grupo de protesto no Facebook ia mais longe: "Uma aventura desorientada em detrimento da história original (...). Tudo no espectáculo nos parece ilógico, irracional, ofensivo e, francamente, estúpido." Dizia o The Times: "Onde está a ameaça, o horror e a escuridão psicológica?" O London Evening Standard dizia que faltava "tensão emocional" e o Guardian, que se rasgou em elogios, dizia também que "o argumento não sustenta a superimaginativa estrutura".

Sobra uma música, dizemos nós: quando Erik se apercebe que Christine está em Coney Island e engendra um plano para a reconquistar, e dar vida material ao modelo em tamanho natural que guarda num sarcófago de vidro. Til" I hear you sing emociona e arrepia. Erik, o fantasma, espera por Christine, a rapariga por quem ele se apaixonou, "months pass, days pass, seasons fly", ele imagina que ela está ali, "but you"re not here", e "eves come, and years go, time runs dry", e ela não está. Ele espera que toda a beleza do mundo morra, das montanhas verdes aos pássaros que cantam, "I"ll always feel halfway real", diz, até que a volte a ouvir cantar "once more". Sem ela para que serve o amor?

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