Professor fazia-se passar por mulher na Internet para conquistar outros homens

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O assédio sexual era feito através da Internet Foto: Paulo Pimenta

À frente do computador, ele deixava de ser homem. Passava a chamar-se Ana. Ana Sofia Sá Magalhães, um nome que condizia com o rosto de uma mulher loura, com ar nórdico e sotaque de Cascais. Era com uma fotografia desta personagem que inventara que se apresentava no mundo virtual onde “mergulhava” à procura de relações amorosas com outros homens.

O problema é que não se ficou pelas fantasias. Quando os seus interlocutores manifestavam o desejo de se encontrar com ele pessoalmente, faltava sempre. E quando, impacientes, acabavam por se afastar perseguia-os, ameaçando-os, chantageando, devassando a sua vida privada e provocando danos psicológicos e materiais, refere a acusação.

O homem, de 40 anos, professor na Universidade de Évora e na Escola Superior de Educação, a fazer um doutoramento na área da Paleontologia, foi apanhado e está agora a ser julgado, no Campus da Justiça, em Lisboa, juntamente com outros nove arguidos, agentes da PSP e da PJ e detectives privados que, segundo o despacho de acusação terão colaborado nas perseguições e nas ameaças. Ontem realizou-se uma nova audiência, a que não compareceu por se encontrar de baixa médica.

O professor de Évora é acusado dos crimes de denúncia caluniosa na forma continuada, de gravações e fotografias ilícitas, de ameaça na forma continuada, de coacção agravada na forma tentada e de perturbação da vida privada.

Por vezes, também se fazia passar por um irmão que nunca teve, de nome Francisco, este com sotaque alentejano.

Diz a acusação que “pelo menos desde 2001 até Junho de 2008” o arguido estabeleceu “contactos virtuais, através da Internet e telefonicamente com outros homens”. Nos “chats” iniciava “relações semelhantes a relações amorosas pessoais com alguns deles”, nunca revelando a sua identidade e fazendo-lhes crer que era mulher. Nalgumas das conversações telefónicas “simulava actos sexuais com os seus interlocutores, fazendo-se passar por uma mulher”.

Em regra, os homens que escolhia para estes relacionamentos virtuais “passavam por períodos conturbados e difíceis nas relações com as suas mulheres, namoradas ou companheiras ou que haviam terminado alguma relação amorosa (...)”

Não se sabe ao certo quantas pessoas encantadas com a fantasia, terão estabelecido este tipo de relações virtuais com o arguido. Mas foi sobretudo por causa de um deles que o processo avançou para julgamento: um jovem empregado de uma editora de Lisboa que se relacionou com o professor durante cerca de dois anos.

No escritório do advogado Emanuel Pamplona que o representa no julgamento, há notícia de outros ofendidos e de pedidos de acusações particulares. Também se sabe de vítimas que nunca se queixaram, como um oficial da PSP que acabou por se divorciar em consequência da traição com a mulher que nunca existiu.

A partir da altura em que as relações terminavam – relata a acusação – “o arguido começava a ameaçá-los, a ofender a sua honra junto dos próprios e de terceiros, nomeadamente junto das entidades hierárquicas e de tutela das suas profissões ou junto de entidades fiscalizadoras da sua actividade profissional, remetendo cartas anónimas para estas entidades”. Nestas dizia que “estes homens e suas mulheres praticavam os mais variados crimes, que os mesmos tinham doenças graves como o HIV, que eram homossexuais, procedendo também a outras acções, nomeadamente de vandalização dos seus pertences e outras (...)”

O arguido ía mais longe nas suas acções de intimidação, adianta ainda a acusação. Solicitou “vários serviços de transporte funerário a agências funerárias, encaminhando vários carros funerários para as residências destes homens e seus familiares”. Chegou também a contactar “vários serviços de emergências, nomeadamente da EDP, dos Bombeiros e do INEM simulando que havia emergências nas residências de alguns destes homens (...)”

Como precisava de conhecer com pormenor a vida e as rotinas daquelas pessoas, “o arguido contratava detectives particulares” (dois estão sentados no banco dos réus) pedindo-lhes, “a troco de uma remuneração que vigiassem e seguissem alguns daqueles homens, respectivos familiares e amigos (...)”

Estes detectives, por sua vez, recorreram a colaboradores que lhe prestavam informações. “Alguns eram agentes de Polícias, nomeadamente da PSP e da Polícia Judiciária” (que agora respondem em tribunal juntamente com um funcionário de uma operadora telefónica.

Na audiência de julgamento realizada ontem depuseram a mãe do jovem ofendido que contou os momentos de ansiedade e de medo pelos quais passou na sequência das ameaças de que a família foi alvo e o oficial da PSP, Tito da Silva, que assumiu a investigação do processo. Ao longo de quase duas horas, este respondeu às perguntas dos advogados e relatou ao tribunal a forma como foram feitas as vigilâncias à intervenção dos outros agentes implicados no caso e como tinha decorrido a detenção do professor e a busca à sua residência. O facto de o arguido ter sido algemado na ocasião foi contestado pela sua advogada enquanto inquiria, a testemunha.

A próxima audiência está marcada para dia 8, à tarde.

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