Alucinação

Ao onomatopaico "Kaboom" do título original contrapõe o distribuidor português o mais descritivo "Alucinação". De certa maneira têm os dois razão: quando aparece (no final do filme) um "kaboom" propriamente dito, em pequena apoteose de ficção científica "bubble gum", fica bem claro o grau de alucinação pretendido por Gregg Araki (o grau máximo, evidentemente).


Araki nunca foi muito visto em Portugal, e se os documentos não nos falham este é apenas o seu segundo filme por cá estreado comercialmente. O outro foi "Mysterious Skin", há quatro anos, um óptimo filme, uma história que misturava pederastia com discos voadores, género Genet cruzado com Frank Black. "Kaboom" é um pouco diferente - menos "sério", muito mais exuberante - e parece reenviar mais para os primeiros filmes de Araki, especialmente aqueles (como "Doom Generation" ou "The Living End") que fizeram dele, nos anos 90 uma coqueluche do cinema independente americano e das secções "gay & lesbian" dos festivais de cinema internacionais. Élan que não terá sido completamente quebrado ("Kaboom" ganhou a "Palma Queer" em Cannes 2010), mas também não chegou a conquistar o mundo como pareceu prometer.

"Kaboom" é Larry Clark "on acid", uma fantasia (também) onírica e multicolorida, sobre um grupo de jovens universitários americanos com as hormonas e a imaginação (sexual) aos saltos, temperada por elementos que sugerem grandes conspirações e mistérios (é por aqui que entra a "FC") mas que no fundo funcionam praticamente como um "mcguffin" (ou, o que no caso vai dar ao mesmo, para baralhar as fronteiras entre realidade e sonho). É um mundo superficial e codificado, que Araki trabalha precisamente pela superfície e pelos códigos - todos os estereótipos, sobretudo os visuais, de uma "cultura jovem" tal como é veiculada pela comunicação de massas, da publicidade aos telediscos. Araki pega nos estereótipos para os desarrumar, para os poluir, para tentar o voo rasante ora à crítica ora à empatia. A "juventude" como um tempo suspenso e inconsequente, suspensão e inconsequências medidas em função de um voracidade sexual "omnívora", vagamente confundida, e sempre ameaçada ("kaboom"... mas antes disso, qualquer coisa parecida com o "Grito" de Munch).

Ainda assim, a ambiguidade na relação com as personagens, a vontade de os trabalhar como "bonecos", corta um bocado o alcance da empresa, neutraliza-lhe a angústia e resulta em algo que, no fim de contas, é só moderadamente divertido.

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