Rogério Ceni treinou “15 mil vezes” antes de começar a marcar golos pelo São Paulo

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“Não esperava fazer o centésimo [golo] num clássico”, confessa Ceni Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Corria o ano de 1996. O São Paulo disputava um jogo particular de pré-época no Chile, com o Colo Colo, e na palestra antes do início da partida o técnico Muricy Ramalho apontou o guarda-redes Rogério Ceni como um dos encarregados dos lances de bola parada. Uma decisão que provocou surpresa no balneário, mas que o técnico tomou em função da dedicação de Rogério Ceni. Então com 23 anos, o guarda-redes chegava ao treino meia hora antes e só se ia embora meia hora depois, empenhando muito tempo na marcação de livres directos: “Antes de marcar o primeiro livre num jogo cheguei a cobrar 15 mil nos treinos”, disse em entrevista ao portal “Globoesporte”.

Não seria frente ao Colo Colo que Rogério Ceni se estrearia a marcar. O primeiro golo do guarda-redes brasileiro, internacional por 17 vezes, teve de esperar dois meses. Foi na segunda jornada do campeonato paulista, em 1997, frente ao União São João.

No domingo, 5153 dias (mais de 14 anos) depois do primeiro golo, Ceni marcou pela centésima vez na sua carreira, na vitória do São Paulo sobre o rival Corinthians, a primeira desde 2007. “Não esperava fazer o centésimo [golo] num clássico. É um presente de Deus. Há dias em que ele está olhando para você”, disse o guardião, após o final da partida, em declarações reproduzidas pelo “site” oficial do São Paulo.

Do Banco para a baliza

Nascido em 1973 na cidade de Pato Branco, no estado do Paraná, Rogério Ceni começou a praticar desporto desde muito cedo. Incentivado pelo pai, aprendeu a jogar ténis e participava nos campeonatos de futebol organizados pela escola. Aos oito anos foi inscrito na escolinha de futebol do Grêmio Estudantil Patobranquense, pode ler-se na página oficial do guarda-redes na Internet.

O seu percurso sofreu uma mudança súbita em 1985, quando a família se mudou para Sinop, no Mato Grosso. Lá apaixonou-se pelo voleibol, que praticou durante três anos. Aos 13 anos começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais do Banco do Brasil. Na equipa de futebol do banco, jogava como médio. Até que um dia o guarda-redes da equipa - que por coincidência era o seu chefe - não pôde ir jogar. Como era o mais novo da equipa, Rogério foi para a baliza.

Com 17 anos conseguiu o lugar de terceiro guarda-redes no clube da cidade. Graças às lesões dos outros dois guardiões, teve a oportunidade de jogar e brilhar, ajudando o Sinop a conquistar o campeonato mato-grossense. Foi chamado para fazer testes no São Paulo, no que seria o começo de uma relação que em Setembro completará 21 anos.

Penáltis e livres

A esmagadora maioria dos golos de Rogério Ceni resultou de lances de bola parada. Foram 55 livres directos, 44 grandes penalidades e um na sequência de uma jogada ensaiada na marcação de um livre. Só nunca fez um “hat-trick”: teve oportunidade para tal em 2005, frente aos mexicanos do Tigres, na Taça Libertadores, quando apontou dois golos de livre mas desperdiçou um penálti.

Fábio, ao serviço do Vasco da Gama e do Cruzeiro, foi o guarda-redes que mais golos sofreu (seis) de Rogério Ceni. Mas o adversário predilecto do guardião do São Paulo foi o rival Palmeiras, a quem marcou em sete ocasiões: quatro a Marcos, duas a Sérgio e uma a Diego Cavalieri.

Mas nem sempre as coisas correram de feição quando Rogério Ceni subiu no terreno para marcar um livre. Em pelo menos duas ocasiões (em partidas contra Fluminense e Santos) acabou surpreendido pelo adversário e teve de ir buscar a bola ao fundo da própria baliza.

“O golo do Roger [do Fluminense] foi ilegal porque tínhamos quatro jogadores em posição irregular: três no círculo central e outro no campo deles. Mas até foi bom: fiz o 4-2 e ele reduziu para 4-3. Para a beleza do espectáculo foi um bom golo, que gostei de sofrer. No jogo contra o Santos, o lance começou num livre mal batido, que bateu na barreira”, recordou Rogério Ceni ao “Globoesporte”.

No domingo, frente ao Corinthians, não houve surpresas. Perto da área adversária, Ceni tirou as medidas à barreira e fez a bola entrar no ângulo. Estava feito o golo 100. O guarda-redes do São Paulo correu, festejou com os companheiros de equipa, tirou a camisola. Viu o cartão amarelo. Nada que estragasse a festa.


História

“Traição” entre guarda-redes tem mais de 100 anos

A veia goleadora de Rogério Ceni não é algo original na história do futebol. Segundo a página oficial da FIFA na Internet, o pioneiro foi Charlie Williams, guarda-redes do Manchester City, que em Abril de 1900 fez um golo ao Sunderland, num lançamento comprido. Foi o início de uma linhagem que Ceni sublimou ao chegar aos 100 golos. Pelo caminho, o guardião do São Paulo ultrapassou o paraguaio José Luis Chilavert, que fez 62 golos na sua carreira, incluindo o primeiro hat-trick de um guarda-redes, diante do Ferro Carril, em 1999. Outros sul-americanos, como o mexicano Jorge Campos (que chegou a actuar como avançado) ou o colombiano René Higuita, também entram na lista de guarda-redes goleadores do futebol mundial. Em Portugal, ficou famoso o penálti de Ricardo frente à Inglaterra, nos quartos-de-final do Euro 2004. Pelo Benfica passou Hans-Jörg Butt, célebre na Alemanha pelos 26 golos apontados de grande penalidade na Bundesliga, aos quais juntou três na Liga dos Campeões, todos à Juventus. Já este ano, Dani Aranzubia (Deportivo da Corunha) tornou-se no primeiro guardião da história a marcar de cabeça na Liga espanhola, com um golo no último minuto, na sequência de um canto, que deu o empate (1-1) frente ao Almería.
Veja o centésimo golo de Rogério Ceni
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