“O mais famoso depois de Vera Lagoa”
“Não vejo ninguém com o mesmo perfil. Era uma pessoa que desaparece e deixa um espaço que não tem seguidores”, refl ecte Judite de Sousa, jornalista da RTP que acompanhava o trabalho de Carlos Castro há muitos anos.
Aos 65 anos, uma morte violenta tornou Carlos Castro uma vez mais notícia. Nascido a 5 de Outubro de 1945 em Moçâmedes, Angola, perfez mais de 30 anos de carreira e no seu 65.º aniversário fazia um balanço positivo do percurso. “Tenho tido tudo aquilo que quero” numa vida que foi “uma longa e feliz caminhada”. Com quase tanta visibilidade mediática quanto aqueles sobre quem escrevia, Carlos Castro assinou livros de poesia, a sua autobiografi a Solidão Povoada (D. Quixote, 2007), uma biografia de Ruth Bryden e dedicou o livro As Mulheres Que Marcaram a Minha Vida à sua antecessora e formadora, Vera Lagoa – a quem chamava “tia”. Desde os 15 anos, ainda em Angola, colaborou com publicações e rádios, tendo a sua primeira crónica social radiofónica em Portugal, há 28 anos, sido ao lado de Júlio Isidro.
Em 1975 chegara a Lisboa e anos mais tarde encetava a sua presença na imprensa social com a crónica Daniella na revista Nova Gente. Passou por vários outros títulos ao longo da sua carreira, da Semana Ilustrada à TV+ e actualmente assinava crónicas na TV Guia, Flash! e Correio da Manhã – onde também publicava entrevistas. “Ele não tem sucessores. Fico com dois lugares em aberto: um na TV Guia e outro na Flash”, diz Luísa Jeremias, directora das revistas. A sua escrita era particular. Era “o maior cronista social português, o único no momento”, diz, peremptória, recordando a sua “forma de escrever muito própria: acutilante e com trocadilhos”.
Mais que a imprensa rosa
“Deixava umas pistas”, descreve Júlio Isidro. Ainda assim, suscitava críticas e, por vezes, ódios. Baptista- Bastos, que recorda o cronista como um “homem muito afável”, lembra a génese deste estilo de escrita em Portugal. “Apareceu em grande estilo com a Vera Lagoa no Diário Popular, com uma secção chamada Bisbilhotices”. Carlos Castro “é o mais famoso depois da Vera Lagoa”, diz o jornalista.
Hoje, o cenário é diferente e Carlos Castro era, apesar da multiplicação de sucedâneos, o mais distintivo no seu sector. “No jornalismo português, assistimos a uma explosão de publicações nestas áreas, de secções nos jornais, na TV e até nos jornais de referência há domínios paredes meias com este tipo de jornalismo e o Carlos Castro era seguramente uma das pessoas mais conhecidas neste domínio”, contextualiza José Luís Garcia, investigador do Instituto de Ciências Sociais e docente de Comunicação no ISCTE. À medida que as televisões foram abrindo espaço para o comentário social, desde as manhãs da RTP em 2006 às manhãs da SIC em 2010, Carlos Castro marcou presença.
Detinha a carteira profissional de jornalista n.º 644, facto de que se orgulhava – “Sou dos primeiros!”, lê-se em Solidão Povoada. Ontem, a notícia da sua morte gerava debates nas caixas de comentários dos jornais online sobre se era ou não um “jornalista”. “O cronista social é uma figura do jornalismo”, esclarece José Luís Garcia. “A crónica social, o relato de mexericos, da vida de pessoas conhecidas, faz parte do arco de possibilidades” da profi ssão, prossegue, apesar de essa não ser “a missão central do jornalismo”. Judite de Sousa enfatiza que ele era também “organizador de eventos culturais, que tentava fazer a ponte entre a moda e as artes, fazia crítica de televisão” - “Era um freelance que actuava no sector da comunicação social em diferentes frentes. Talvez por isso tinha uma grande notoriedade. Não se pode olhar o Carlos Castro como apenas ligado à imprensa cor-de-rosa, é redutor”.
No activismo lésbico, gay, bissexual e transgénero (LGBT), Carlos Castro “foi uma das figuras públicas portuguesas a assumir a sua homossexualidade e dedicou parte da sua vida à luta contra a sida” na colaboração com a Associação Abraço, lembra Paulo Corte- Real, dirigente da ILGA. “Sempre falou abertamente de tudo, sempre esteve ao lado das pessoas. Era uma pessoa polémica, muito frontal e isso é muito importante neste país”, disse à Lusa Margarida Martins, presidente da Abraço, com quem organizava a Gala dos Travestis.
Uma vida cheia
Como disse à Pública em 2006, fez de tudo e de nada se envergonhava. Foi incompreendido pelo pai, viajou, tinha quatro irmãs e dois irmãos. Lavou escadas, trabalhou como caixeiro e era um apaixonado pelas viagens.
Na sua vida houve os eventos, o activismo LGBT, a poesia, a paixão pela actriz Romy Schneider e Angola. Mas a sua vida é indissociável da sua descrição da sociedade portuguesa. “Falar de jet set em Portugal é como ir ao aeroporto com malas e bagagem, ser fotografado, voltar para casa e não acontecer viagem nenhuma”, ironizava em Solidão Povoada. com M.A.A.