Duffy

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Em Janeiro, Duffy separou-se de Jeanette Lee. Anunciaram publicamente que a sua relação de quase sete anos chegara ao fim, sem rancores, nem trocas de acusações, sem roupa suja ensacada em casa e levada para a praça pública para ser exposta em todo o seu deplorável esplendor. Nada disso. Mas importa esclarecer que Duffy e Jeanette não estavam unidas por laços românticos.

Nada disso. Fora Jeanette a descobrir a miúda galesa de 18 anos, loiríssima e de olhos azuis, e a perceber que aquela voz - como antes a de Janis Joplin - não correspondia àquela cândida figura de inocência. Lee pôs-lhe os olhos em cima num concurso de talentos galês em 2003 e percebeu que a sorte daquela miúda não devia ficar nas mãos de espectadores que escolhem as suas preferências musicais através de uma combinação de algarismos no teclado do telefone. Depois, foi só juntá-la ao ex-guitarrista dos Suede Bernard Butler e propor-lhe a milagrosa Herbalife do mundo da música: esvaziar-lhe o iPod, e colocá-la numa controlada dieta de singles da Stax e da Motown. Com a ajuda de Butler, Jeanette fez de Duffy uma Amy Winehouse sem bar aberto. E em Janeiro, relembremos, a co-fundadora da Rough Trade Records achou que estava na altura de a sua protegida se fazer à vida e escolher livremente o seu rumo. À primeira vista, quando se olha para a ficha técnica deste "Endlessly" e se vê o nome de Albert Hammond, há fogo-de-artifício a rebentar no estômago em efusiva celebração e antecipação por aquilo que a cantora poderia fazer se acompanhada não pelo ex-guitarrista dos Suede mas pelo actual guitarrista dos Strokes. Depois da excitação, manda a cautela que se tente perceber por que terá o bom do Hammond deixado cair o Jr. que sempre lhe fechava o nome artístico. E, vai daí, lá se conclui que, afinal, este Albert Hammond é um senhor gibraltarino que, por mera coincidência, é pai do outro. E ganhou fama a compor para Tina Turner e até para os Ace of Base. A referência europop sueca não aparece aqui vinda do nada. Embora não seja em rigor o mesmo universo, a verdade é que "Endlessly" arranca e "My Boy" - grande canção, não é isso que está em causa - poderia bem ser o mais recente single de Kylie Minogue. Ou seja, tudo aquilo que era soul e canção clássica (ver: The Ronettes, Martha and the Vandellas) em "Rockferry", dá aqui lugar a uma pop de peito cheio, a querer reclamar o seu lugar nos tops. O que produz momentos de primeira água, como o referido "My Boy", mais "Lovestruck", "Well Well Well" (animado pela secção rítmica dos Roots) ou o "gainsbourguiano" "Girl". Mas que, por outro lado, parecem ter traído Duffy na falta de uma visão musical mais coerente. Há aqui muita vontade de fazer coisas - o excesso apodera-se infelizmente dela em "Too Hurt do Dance", com o vibrato incessante a levar-nos instintivamente a mão à aparelhagem ou ao leitor de mp3 para pôr cobro à tremideira -, mas há igualmente um ligeiro desnorte, uma procura em tempo real do caminho que Jeanette e Butler lhe tinham mostrado na estreia. "Endlessly" é a natural adaptação de Duffy à idade adulta, não sem os seus custos.

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