Brindemos aos blues

Os Nobody's Bizness são há anos um segredo bem guardado entre o labirinto de ruas do Bairro Alto. É entrar nas Catacumbas em dias recomendados e lá os encontramos, entre fotos de Muddy Waters, Lightning Hopkins ou Bessie Smith, a oferecer-nos blues como o blues quer: celebração de história e de vida e passagem de testemunho contínua, com as velhas canções a transformar-se em sensação nova perante o copo de whiskey de sempre ("'cause the blues is nothing but a feeling").

Agora que a voz grave e a harmónica de mestre Catman, que a vívida expressividade de Petra Pais e que as pianadas e os slides na guitarra dos Luís e Pedro Ferreira saíram do palco, o seu habitat, para o estúdio, pegamos no CD, atiramo-lo aparelhagem dentro e receamos. Receamos que a vida revelada em concerto se perca na frieza do estúdio. Mas receamos por pouco tempo.

Se é inegável que o palco continua a ser o espaço onde melhor se revelam, não o será menos que o "It's Everybody's Bizness Now" é uma vitória. Esta banda é purista no melhor sentido do termo. Não são "geeks" a reproduzir ponto por ponto, cliché a cliché, a história oficial do blues. São classicistas: um conjunto de músicos que interiorizou a alma desta música, que retém dela aquilo que é o essencial e que, depois, nos oferece uma colecção de versões de Willie Dixon (referência maior) ou de Big Bill Broonzy, emparelhadas com originais que, e esse é o maior elogio que lhes podemos fazer, fluem sem perturbações entre as canções dos mestres.

Com um equilíbrio bem medido entre a electricidade à Albert King e o acompanhamento da guitarra acústica, com Catman a oferecer voz e harmónica a canções como "Roll mamma", qual John Mayall lisboeta, e Petra Pais a passar da ternura de "I want a little boy" (o standard "I want a little girl") à solitária melancolia da belíssima "Blues for the month of June" (um original da banda), os Nobody's Bizness são o Chicago dos néons e da electricidade e sugerem o Mississipi de pântanos e mistérios ("Show's up" pode ser cantado por Petra, mas tem o espírito do Fred McDowell ou John Hurt e é o "update" desse cenário).

Trazem banjos de profundidade folk para a canção lição de vida que é "Time waster", uma das melhores do álbum, de uma justa serenidade, e nessa que é a terceira música do álbum, nesse que o primeiro original do alinhamento, já atirámos os receios pela janela fora. Os blues dos Nobody's Bizness não nasceram para se restringiram ao palco. O disco, sincero e sem sobressaltos, é um belo disco.

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