Guarda-redes português é espécie ameaçada

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Eudardo enfrenta pouca concorrência na baliza da selecção Foto: Paulo Ricca

Portugal nunca foi uma escola excepcional de guarda-redes, mas nomes como os de José Henrique, Azevedo, José Pereira, Barrigana, Damas, Bento, Vítor Baía e Ricardo ficaram na história do futebol português. A herança destes homens, porém, parece cada vez mais difícil de defender, porque os guarda-redes portugueses estão a perder espaço e até a selecção já sente a escassez de opções neste posto específico.

Um olhar pela Liga portuguesa permite rapidamente medir a dimensão da crise. Em 16 equipas, apenas quatro apresentaram guarda-redes titulares portugueses nas primeiras jornadas do campeonato. São elas Sporting (Rui Patrício), Portimonense (Ventura), Rio Ave (Paulo Santos) e Beira-Mar (Rui Rego). Nos outros 12 casos (nove dos quais brasileiros), os titulares são estrangeiros, algo que se tem vindo a acentuar nas últimas temporadas.

Em 2006-07, os portugueses ainda estavam em maioria (nove contra sete), mas na época seguinte registou-se um empate (sete a sete, mais duas equipas em que estrangeiros e portugueses dividiram a titularidade durante a temporada). Em 2008-09 e 2009-10, os estrangeiros passaram a dominar, havendo nove titulares contra sete portugueses. E este ano o fosso acentuou-se.

A reduzida presença de portugueses nem sequer está relacionada com a emigração, já que Eduardo (Génova), Daniel Fernandes (Panathinaikos) e Hilário (Chelsea) são dos poucos seleccionáveis que jogam no estrangeiro. O que explica então esta crise?

A maior concorrência dos estrangeiros, a falta de paciência dos clubes para apostarem em jovens portugueses e as deficiências na formação de guarda-redes são as principais causas apontadas por Nélson, antigo futebolista do Sporting e da selecção nacional, e Fernando Brassard, actual técnico dos quadros da Federação Portuguesa de Futebol.

“O grande problema tem a ver com o facto de os clubes não apostarem em jovens. Esquecem-se que o Baía, por exemplo, começou cedo e também errou, antes de se afirmar. O Sporting, com Rui Patrício, é uma excepção”, analisa Nélson, que criou uma escola de guarda-redes em Torres Vedras, para miúdos entre os sete e os 15 anos.

Além da falta de paciência dos clubes para esperarem a evolução dos jovens, o que os leva à contratação de guarda-redes estrangeiros mais experientes, Nélson admite também a existência de lacunas na formação de treinadores e jogadores para este posto específico, embora afirme que o cenário está a melhorar: “Antigamente os métodos eram antiquados. Os antigos guarda-redes treinavam os novos da mesma forma que tinham sido treinados. Agora já há especialização.”

Selecção paga a factura

A escassez de soluções para a baliza é agravada pelo facto de alguns jovens apontados como esperanças não se terem afirmado. Moreira continua como suplente no Benfica, Bruno Vale já anda pela Liga de Honra (Oliveirense) e Beto é suplente no FC Porto.

Estes são apenas alguns exemplos de um cenário complicado, agravado não só pela concorrência de estrangeiros nos pequenos e médios clubes da Liga, como até nas camadas jovens – Brassard sublinha a presença de estrangeiros na baliza dos juniores de Benfica e Sporting em épocas recentes. As lacunas nacionais na baliza até já levaram à criação de um movimento pró-guarda-redes português no Facebook, embora este seja um problema que demorará tempo a resolver. Nélson argumenta que nos países com melhores jogadores neste posto específico há grupos organizados – “em Itália, até há um sindicato de treinadores de guarda-redes” – e alerta para a necessidade de uma “reflexão séria” por parte da federação, associações distritais e clubes, de modo a inverter-se a situação.

Fernando Brassard também reconhece que “há uma carência óbvia neste campo” e até admite que os técnicos da federação já se deparam com “dificuldades em encontrar seleccionáveis nos vários escalões”. Mais, o antigo guarda-redes não hesita afirmar que o mal, tal como aconteceu em Inglaterra, irá atingir a selecção principal. “A selecção vai pagar a factura, até porque já não tem um leque muito alargado. Eduardo e Rui Patrício são dos poucos que jogam com regularidade nos clubes”, avisa Brassard.

Inglaterra tem o mesmo problema

Espanha, Alemanha e Itália mantêm qualidade

O caso de Portugal aproxima-se cada vez mais do que se passa em Inglaterra, cuja selecção vive há muitos anos uma crise de guarda-redes. Uma das explicações para o problema inglês tem a ver com a perda de protagonismo dos guarda-redes britânicos na Premier League, dominada actualmente por guarda-redes estrangeiros, alguns deles os melhores do mundo. Basta lembrar que o checo Cech defende a baliza do Chelsea, assim como o holandês Van der Sar ocupa o mesmo posto no Manchester United e o espanhol Reina no Liverpool.

Nos 20 clubes da Premier League, apenas seis têm guarda-redes titulares britânicos: Joe Hart (Man. City), Scott Carson (WBA), Ben Foster (Birmingham), Gilks (Blackpool), Paul Robinson (Blackburn) e Robert Green (West Ham).

O que se passa em Inglaterra contrasta com o que sucede nos outros quatro grandes campeonatos. Em Espanha, França, Alemanha e Itália, os guarda-redes do país estão em maioria e os grandes clubes continuam a apostar maioritariamente em guarda-redes nacionais, como é o caso do Real Madrid (Casillas), Barcelona (Valdés), Milan (Abbiati) e Bayern de Munique (Butt). O Inter de Milão (Júlio César) é uma das raras excepções.
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