Luís Miguel Cintra, João Perry e Ruy de Carvalho reagem à morte de Rey Monteiro

Ruy de Carvalho

O actor Ruy de Carvalho lamentou a perda de “uma grande senhora, uma grande actriz e uma grande amiga”, que disse recordar “com muita saudade”.

Diogo Infante, actor e director artístico do Teatro Nacional D. Maria II

O conselho de administração do Teatro Nacional D. Maria II e o seu director artístico, Diogo Infante, lamentaram hoje a morte de “uma grande actriz do teatro português e uma referência artística e ética incontornável”. “Ficará indissociavelmente ligada ao Teatro Nacional D. Maria II, onde iniciou a sua carreira em 1946, na Companhia de seus pais, Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, na peça ‘Antígona’, de Sófocles, adaptada por Júlio Dantas”, sublinhou o D. Maria II, em comunicado hoje enviado à Lusa.

“Nesta sua casa, seguiram-se muitas outras notáveis interpretações em grandes textos da dramaturgia universal”, prosseguiu, destacando “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare, “Santa Joana”, de Bernard Shaw, “Um Elétrico Chamado Desejo”, de Tennessee Williams, “O Pecado de João Agonia”, de Bernardo Santareno, “Hedda Gabler”, de Ibsen, e “Sábado, Domingo, Segunda”, de Eduardo de Filippo, que foi a sua última participação no palco do D. Maria II.

O conselho de administração e o diretor do teatro salientaram ainda que “apesar de longe dos palcos a partir dos anos 1980 do século passado”, Mariana Rey Monteiro “nunca deixou de fazer parte do grupo dileto de actrizes que, pelo seu perfil humano e pela sua contribuição artística, elevaram o nosso teatro a níveis de qualidade inquestionáveis”.

Luís Francisco Rebello, dramaturgo e historiador de teatro

"A morte de Mariana Rey Monteiro comoveu-me profundamente. Fui seu amigo. Assisti em 1945 ao seu primeiro recital poético, e um ano depois à sua estreia na "Antígona" de Júlio Dantas. Acompanhei a sua brilhante carreira, aplaudi-a nas suas melhores interpretações, em textos clássicos de Shakespeare (Titânia de “Sonho de uma Noite de Verão”), Moliére (Maria do “Tartufo”), António Ferreira (“A Castro”), na Sónia de “Crime e Castigo”, na Santa Joana de Bernard Shaw, na Blanche d’ “Um Eléctrico Chamado Desejo”, nas “Divinas Palavras” de Valle-Inclán, no “Pecado de João Agonia” de Santareno, e tantas, tantas outras. Herdeira de um nome e tradição ilustres, a sua distinção natural, a sua abordagem ao mesmo tempo inteligente e sensível das personagens que encarnou, foram (são) uma referência importante do tempo do teatro português que antecedeu a revolução de 74. E não posso esquecer que Mariana fez parte do júri que, em 1942, me atribuiu o meu primeiro prémio de escritor teatral..."

José Wallenstein, actor e encenador

“Para além da grande actriz que Mariana Rey Monteiro foi, eu também a recordo como uma pessoa muito gentil, muito afável e muito bem-educada, de uma grande elegância e delicadeza”, diz José Wallenstein que com a actriz trabalhou nos ensaios para o espectáculo de despedida a Amélia Rey Colaço. “[Nessa altura] tive um contacto com um universo que para mim é de outro tempo e que para mim é um universo encantatório.”

O actor recorda ainda Mariana Rey Monteiro dentro do quadro familiar, uma família com quem privou muito proximamente, e que vê como pessoas “de uma grande cultura e de uma enorme delicadeza, uma gente de um outro universo”, de um “teatro que vem de trás mas que apesar de tudo é meu património”. E conclui: “Do ponto de vista histórico, aquela família foi muito importante na divulgação de uma dramaturgia.”

João Mota, encenador, director do Teatro da Comuna

João Mota, encenador e director do Teatro da Comuna, recorda que a primeira vez em que contracenou com Mariana Rey Monteiro foi na peça “Processo de Jesus” de Diego Fabbri no Teatro D.Maria II, onde trabalharam juntos durante dez anos. Mas também se lembra das muitas vezes, depois disso, em que a actriz pisou os palcos do Teatro Monumental ou Maria Matos. “Ela fazia primorosamente uma peça que se chamava ‘E’, com Paulo Renato”, recorda.

Para João Mota, a actriz para sempre será a “Marianinha” de quem o actor e encenador sempre foi muito amiga. “Gostava muito dela. Além de ser uma grande actriz e uma grande senhora, ela tinha uma humanidade muito grande.” Um exemplo disso foi ter-se afastado do teatro para cuidar da mãe, a actriz Amélia Rey Colaço, que faleceu em 1990. “Eu devo tanto à minha mãe que não a posso deixar sozinha”, costumava dizer.

João Perry, actor e encenador

João Perry trabalhou muitas vezes com Mariana Rey Monteiro. Mas a memória mais antiga que tem dela é dos anos 1940, mais precisamente de 1946, o ano da estreia da actriz na peça "Antígona", no Teatro Nacional D. Maria II. “Como eu não saía do teatro, lembro-me de ver a Marianinha, como lhe chamavam antes de ter feito a Antígona. Na estreia dela eu devia ter uns sete ou oito anos e lembro-me de, no fim, lhe ter ido dar um ramo de flores que os meus pais tinham comprado.”

Terá sido, provavelmente, na peça "Tango" que os dois trabalharam juntos pela primeira vez, e Perry recorda-a sobretudo como uma pessoa “com um excelente feitio, encantadora no trato com os outros”, uma colega “de quem só se pode dizer bem”. E “surpreendente em certas personagens que interpretou”.

Luís Miguel Cintra, actor e director do Teatro da Cornucópia

“Tenho muito pena. Admiro-a como actriz. Era uma referência ainda viva da qualidade que havia na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, a companhia da mãe.” Cintra contracenou uma única vez com ela, num filme de Paulo Rocha, “O Desejado ou as Montanhas da Lua”. Ela, que tinha um grande respeito pela arte de representar, “é a grande herdeira de uma tradição teatral de muita qualidade”. Essa tradição significa “um respeito pela arte do actor, uma atenção ao texto, um requinte na concepção dos espectáculos e também um respeito pelo público”. Cintra lembra-se de a ir ver, enquanto estudante, ao Avenida, na peça “Equilibro Instável”, de Edward Albee, no final dos anos 1960. “Ela recebia-nos no camarim, sempre afável e generosa.”

Simone de Oliveira, actriz

A cantora e actriz Simone de Oliveira manifesta a sua mágoa pela perda de Mariana Rey Monteiro, que “admirava muito” como actriz e como mulher. Mas também pelo facto de o país a ter esquecido. “Ninguém quis saber dela, ninguém lhe mandou uma flor. E, no entanto, ela teve uma carreira extraordinária no teatro, e depois também na televisão”.

Simone de Oliveira, que no remake da telenovela “Vila Faia” retomou o papel da avó que tinha sido feito por Mariana Rey Monteiro na produção original, em 1983, lembra que a actriz agora desaparecida a ajudou muito nesse trabalho. E que ela lembrava que fora preciso ter feito esse papel para que o grande público finalmente a conhecesse como actriz.

Simone diz também que Mariana Rey Monteiro “foi maltratada pelo país a seguir ao 25 de Abril [de 1974]”. “Este país apaga e esquece os seus artistas, e isso significa apagar a sua memória colectiva. Quantos ministros da Cultura se lembraram dos nossos actores?”, pergunta a intérprete de “Desfolhada”.

Sobre a carreira de Mariana Rey Monteiro, Simone recorda principalmente o seu regresso aos palcos, depois do período em que esteve ausente. “Foi no Teatro Monumental, com a pela ‘É...’, de Millôr Fernandes. Eu cheguei lá com o Varela Silva e a Mariana chorava, sentada nas escadas de acesso ao palco, dizendo que não se lembrava do texto. Mas quando entrou em palco, a plateia levantou-se e aplaudiu-a em uníssono. E ela foi brilhante. A Mariana era belíssima em tudo”, conclui Simone de Oliveira, que com ela contracenou, por exemplo, na série televisiva “Gente Fina É Outra Coisa”.

Carmen Dolores, actriz

Das “muitas peças” que fizeram juntas no Teatro D. Maria II a partir de 1950 e durante oito anos, a actriz Carmen Dolores lembra-se da actriz Mariana Rey Monteiro como “uma pessoa extremamente profissional, uma actriz exemplar, com uma belíssima figura e de uma grande afabilidade e humildade”. Uma actriz “muito reconhecida”, sintetiza Carmen Dolores que não exclui que Maria Rey Monteiro tenha visto “o seu grande valor” abafado pelo facto de ser filha de uma grande actriz Amélia Rey Colaço.

Mariana Rey Monteiro e Carmen Dolores contracenaram em "Tá-Mar" de Alfredo Cortês mas também em muitas outras peças como Inês de Castro em que Mariana Rey Monteiro foi protagonista e mais tarde uma outra versão Inês de Portugal em que a actriz fez de infanta.

Eugénia Vasques, professora de teatro e ex-crítica de teatro

Era o olhar de Mariana Rey Monteiro que ficava na cabeça das pessoas que a viam actuar. “Aquele olhar triste, magoado, que parecia ter uma raiva escondida, e que marca todo o seu trajecto como actriz”, diz Eugénia Vasques, hoje professora de teatro. No palco, onde a ex-crítica não se recorda de a ter visto ao vivo, na televisão e no cinema – “onde tinha grande presença e carisma” – Rey Monteiro mantinha “sempre uma postura de ‘lady’, rara no teatro português, e uma máscara trágica que vem dos tempos da sua primeira peça, "Antígona", e, provavelmente, da sua própria vida, marcada por dificuldades e obstáculos.”

O incêndio no Teatro Nacional D. Maria II, na década de 1960, obrigou a companhia Robles-Monteiro a refugiar-se nos teatros Capitólio e Avenida, acentuando alguns dos seus problemas financeiros, explica Eugénia Vasques. “Nessa época, a D. Amélia [Rey Colaço] e a Mariana chegaram a ser muito desconsideradas. Pelo que ouço e o que li sobre esse período, vejo que foi muito duro para elas.” Mariana, “apesar de alguns papéis fantásticos, como a "Antígona"”, passou grande parte da vida na sombra. “Foi sempre o braço direito da mãe, até ao fim, e isso vê-se nos papéis que representa. Ela secundava a mãe – a palavra é tremenda, mas justa. Até à morte do pai, em 1958, Mariana serviu os pais. E depois a mãe passou a ser no centro de tudo o que ela fazia no teatro, tinha-lhe uma dedicação imensa.”

Nos anos 1980, Maria Rey Monteiro desapareceu dos palcos e passou a ser possível encontrá-la sobretudo na televisão. Eugénia Vasques não sabe, no entanto, se terá continuado a escrever. A professora de teatro lembra que, sob o pseudónimo de Teresa Canto, Rey Monteiro assinou duas peças para crianças – “Maria Rita: Fantasia Infantil em três actos” e “João Pateta: Fantasia infantil em três actos, sete quadros e um prólogo” – que foram apresentadas no Nacional na década de 40, a primeira antes mesmo de se estrear como actriz, em 1946. “Maria Rita...”, a história de um príncipe mandrião e de uma menina trabalhadora, foi bem recebida pela crítica, garante Vasques, para quem é natural que a actriz tenha continuado a escrever, embora não haja dados sobre peças posteriores.

Luís Pavão, actor

O actor Luís Pavão lamentou a morte de Mariana Rey Monteiro, considerando ser “uma perda muito grande para a cultura e para a arte em Portugal”. Em declarações à Lusa, disse ainda que “a Mariana não se restringia ao teatro nem à televisão, era uma mulher cultíssima, era uma mulher intelectualmente superior”.

Depoimentos recolhidos por Ana Dias Cordeiro, Lucinda Canelas, Alexandra Prado Coelho, Sérgio Costa Andrade e Isabel Salema
Notícia corrigida às 10h38 de 22 de Outubro
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