Sem perdão

Stephen Frears possui uma carreira demasiado longa e importante para se permitir aventuras inconsequentes, como "Tamara Drewe", adaptado de um estranhíssimo romance gráfico que se centra numa pequena vila nos arredores de Londres, em torno de uma quinta concebida para receber escritores em processo criativo, fornecendo-lhes alimentação caseira e abundante material (sexual e outro) para desenvolver os seus projectos. A personagem do título é uma caricatura de uma jovem local que regressa, depois de uma operação plástica ao nariz, acabando por se envolver sexual e emocionalmente com quanto homem lhe aparece pela frente, desde o antigo namorado de infância, agora trabalhador manual na quinta ao lado, até uma estrela "rock", narcisista e carente, passando pelo infiel vizinho, escritor de sucesso de policiais de pacotilha.


Tudo previsível, simplista e denunciado, tudo pateticamente encadeado numa sequência de peripécias, algures entre o "soft porno" e a pretensão de criar um microcosmos metonímico de um presente tresvariado. O problema passa pela ausência de objectivos e pela simplicidade de um material que se lê (vê) numa hora e que aparece estendido, dilatado, numa monótona sucessão de engates, traições e comentários de um humor duvidoso. Por outro lado, a função "voyeurista" das duas adolescentes, disparatadas "dei exmachina", que gostam de pregar partidas e de escrever e-mails anónimos, roça a pedofilia inconsequente, sem acrescentar nada ao desconchavo geral: sequências dignas de uma revista de decoração (a renovação da casa rural ou os interiores do apartamento moderno e "high-tech" da estrela "rock") cruzam-se com refeições tiradas de um inaudito programa de culinária e, como é óbvio, com as cenas de sexo, ocultadas por tiradas pretensiosas de romance radiofónico. Já nem é a matriz televisiva que está em causa, mas a incapacidade para ultrapassar o mais indecente lugarcomum, repetido à exaustão com a desvergonha representativa, que o material parece justificar.

Neste indigno vale-tudo bem desembocar, em adaptação transversa e ridícula, "Longe da Multidão" de Thomas Hardy, abundantemente citado, da pior maneira (uma espécie de monografia sobre as "taras" do romancista, escrita por um americano, escritor residente, em crise de inspiração), e não resistimos a recordar que Frears assinou uma belíssima adaptação de "Ligações Perigosas" (1988), uma inteligente variação sobre "Dr. Jekyll e Mr. Hyde", "Mary Reilly" (1996), ou umas das melhores versões de Colette, "Chéri" (2009), para já não mencionar olhares complexos sobre a realidade britânica - de My Beautiful Launderette" (1985) a "A Rainha" (2006) - e trememos de indignação mal contida. Por que razão um realizador com responsabilidades malbarata meios e talento, quando visivelmente não tem nada para dizer? Apenas por hábito? Para infligir aos pobres espectadores os seus "delírios húmidos"? Para mudar de registo e provar versatilidade?

"Tamara Drewe" seria sempre insuportável, mas vindo de um realizador com os antecedentes de Stephen Frears não tem perdão.

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