A cosmologia de Rui Toscano

Depois de "The Great Curve", no Espaço Chiado 8, o espaço celeste regressa ao trabalho do artista

Já lá vai o tempo em que a música pop-rock ou a auto-representação se revelavam de forma assertiva nas exposições de Rui Toscano (Lisboa, 1970). Desde o início da década passada, a obra deste artista tem estabelecido relações mais intensas com outros motivos e contextos, sendo a paisagem um dos mais recorrentes. Vale a pena lembrar os vídeos "The Sprawl" (1999/2002), "São Paulo 24 SET 01" (2001), "Faial" (2002) ou "To The Mountain Top" (2004), em que a imagem em movimento convidava a uma percepção do infinito da paisagem urbana; ou os desenhos que realizou sobre a cidade de São Paulo entre 2002 e 2003.

"Out of a Singularity", na Galeria Cristina Guerra, parece surgir na continuação desse interesse, embora no domínio da cosmologia. Em vez de planos de cidades, vemos estrelas, poeiras cósmicas, aparentes eclipses. O espaço celeste não é um assunto inédito no percurso de Rui Toscano (a sua primeira abordagem remonta a 1993, quando pintou com Rui Valério "The Space Experience") e não será alheio ao gosto do artista pela ficção científica, partilhado com Miguel Soares e Alexandre Estrela - aliás, já merece uma tese a dialéctica entre fenómenos e paisagens naturais vs. percepção que estes e outros nomes (por exemplo Daniel Malhão, Edgar Martins e Raquel Feliciano) têm abordado, com objectivos e meios distintos, com maior ou menor frequência, nos seus trabalhos.

A actual exposição de Rui Toscano consiste, fundamentalmente, em pinturas e desenhos, mas também inclui duas obras de "The Great Curve", individual que Rui Toscano apresentou no final de 2009 no Espaço Chiado 8 e na qual predominavam a instalação, o vídeo e a escultura. A sua inclusão explica-se pelo vínculo que liga os dois momentos, o estudo do cosmos: a origem e o destino do Universo, a sua forma, os elementos que o compõem,

A exposição "inspira-se" numa teoria específica, a teoria do Big Bang, como resultado de uma "singularidade" ou zona de densidade infinita, um fenómeno que, pensam os cientistas, habita os buracos negros. Da singularidade do processo do artista nascem, entretanto, as pinturas de objectos estelares, sobretudo de enxames e aglomerados de estrelas como o "Messier 5 (NGC 5904)" representado na maior e melhor pintura de "Out of a Singularity": uma explosão bidimensional de luz e acrílico que sugere uma narrativa com a série "Untitled (Cluster)", esta composta por pinturas de formatos médios, onde as estrelas sofrem ligeiras variações de cor e forma.

O jogo de escalas é um dos aspectos mais interessantes e a montagem assegura ao espectador tal experiência, como acontece nos pequenos desenhos da série "The Olbers Paradox", feita com "dripping" de tinta do spray. Este trabalho torna o paradoxo descoberto em 1823 pelo astrónomo alemão Heinrich Wilhelm Olbers - como pode o céu manter-se negro à noite se está cheio de estrelas infinitas de um universo também ele infinito? - objecto de uma ficção sobre papel: o céu é branco e as estrelas são pontos negros. Os restantes trabalhos remetem mais directamente para "The Great Curve" ("Mother And Child") ou sugerem movimento ("Across The Universe").

Permanece admirável na prática artística de Rui Toscano a capacidade de substanciar ideias, sejam elas inspiradas pela observação de objectos celestes ou simples paisagens. No entanto, a experiência que algumas obras oferecem à percepção (sobretudo "Mother And Child" e "Across the Universe") nem sempre tem a energia de outros trabalhos. É como se houvesse um certo ensimesmamento (independente dos suportes), uma rarefacção. Demasiado cósmica.

Sugerir correcção
Comentar