Da andropausa

"Casamento a Três" é o regresso algo desapontante de Jacques Doillon, que por cá não se via desde o belíssimo "Ponette"

Regresso de um cineasta que já foi um nome familiar para os espectadores portugueses, mas de quem, se os registos não nos falham, nunca mais se viu nada por cá desde o longínquo "Ponette", em meados dos anos 90. Belas recordações desse filme, aliás, possivelmente o último grande filme europeu sobre a infância antes de os grandes filmes sobre a infância passarem a vir, sistematicamente, do Irão.

Regresso algo desapontante, contudo. Já vimos Doillon bem mais inspirado. "Casamento a Três" é um "jogo de massacre", psicológico, sentimental e sexual, que faz a modos que uma ponte entre a tradição realista francesa (uma certa aspereza, quase ríspida, da encenação, mesmo se não parece haver muita câmara à mão) e um modelo mais determinado pelo artifício, mais escrito, mais teatral. O teatro não é só um elemento formal (logo à partida: cinco personagens, uma casa isolada, um jardim, pensamos em Tchékhov revisto por, sei lá, Pialat), é também um dado narrativo: tudo gira em torno de uma reunião promovida por um autor teatral (Pascal Greggory), a preparar uma peça com os futuros actores, mais um "manager" e uma "fille de quinze ans" (bom, um pouco mais do que 15, mas "La Fille de Quinze Ans" é o título de outro filme de Doillon) que é a sua secretária.

As relações são desordenadas, tensas, cheias de "bagagem" - a actriz (Julie Depardieu) é a ex-mulher do dramaturgo e está envolvida com o actor (Louis Garrel, talvez o único actor do mundo que leva o mesmo penteado para todos os filmes). Esta desordem e esta tensão fazem o sangue de "Casamento a Três", que avança por cenas de diálogo que são quase sempre duelos verbais (ou físicos: o erotismo é vivido no limite com a agressividade), constantemente a reorganizar as suas cinco personagens em pares ou trios. Reflexão sobre a criatividade, "Casamento a Três" é mais ainda uma história sobre o "macho envelhecido", o tipo de filme que um crítico francês certa vez categorizou como um "diário da andropausa".

Não é necessariamente depreciativo nem, no caso, é muito ao lado - por alguma razão lá anda a rapariga de (um pouco mais de) 15 anos (que se chama Agathe Bonitzer e só pode ser filha de Pascal Bonitzer porque é a cara chapada dele). Mas, pese a inteligência austera com que Doillon se exercita e condensa as virtudes deste "Casamento a Três", já vimos andropausas mais emocionantes, ou mais cruéis, ou mesmo mais doces. Mais qualquer coisa, enfim. E sente-se a falta disso - de mais qualquer coisa.

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