Larry King pendura os suspensórios

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Durante a sua carreira, entrevistou todos os Presidentes norte-americanos desde Richard Nixon Jake A. Herrle/Reuters/CNN

O seu estilo nunca foi o de uma retroescavadora num campo de papoilas. Larry King não era abrasivo com os seus convidados. Deixava-os soltos, até que se tornavam tangíveis. Íntimos. Sempre se gabou de não preparar as entrevistas. Fazia perguntas simples. Simplistas, argumentam os críticos. O apresentador sempre se defendeu dizendo não ser um jornalista, mas antes um apresentador. Um infotainer, no jargão dos media. Larry King, o homem das pulseiras e dos suspensórios perenes, anunciou ontem que vai pôr fim ao seu Larry King, Live no Outono. O rei abandona o trono das entrevistas na CNN.

Ontem, 90 minutos antes de gravar mais um Larry King, Live, o apresentador, de 76 anos, anunciou a sua decisão via Twitter: “A anunciar hoje: vou pôr fim ao meu programa nocturno este Outono, mas continuo na CNN”. Depois de cerca de 50 mil entrevistas, bastou este punhado de letras para Larry King anunciar ao mundo que se retirava.

Já diante das câmaras, King dirigiu-se aos telespectadores para lhes explicar que queria partilhar com eles uma notícia pessoal: “Há 25 anos, sentei-me nesta mesa (...) para a primeira emissão do Larry King Live. Agora, décadas depois, falei com as pessoas aqui da CNN e disse-lhes que gostaria de acabar com o Larry King, Live neste Outono. A CNN aceitou, gentilmente, dando-me mais tempo para estar com a minha mulher e para poder levar os meus filhos aos jogos da Little League”.

Durante 25 anos, Larry King levou a estúdio toda a gente que era alguém e muitas pessoas que não eram ninguém. Nas suas próprias palavras, só lhe faltou entrevistar Deus. Foi isso mesmo que respondeu, certo dia, quando lhe perguntaram com quem é que gostaria de conversar e ainda não tinha tido oportunidade de o fazer. “A minha primeira pergunta seria - ‘Tem um filho? É que está muita coisa em jogo com a sua resposta”, gracejou o homem dos óculos e voz poderosa, que insiste em falar para um microfone clássico, dos dias da rádio.

Larry King entrevistou algumas das pessoas mais famosas e influentes do mundo, como Marlon Brando, Yasser Arafat, Mikhail Gorbachev, Frank Sinatra e Madonna. Nelson Mandela, com quem também falou, foi a pessoa mais extraordinária que já conheceu, admite.

Durante a sua carreira, entrevistou todos os Presidentes norte-americanos desde Richard Nixon. Foi no seu estúdio que algumas personalidades deram notícias em primeira mão e se desenharam alguns dos mais emblemáticos episódios da História, em versão televisionada. O debate de 1993 entre o então vice-Presidente Al Gore e multimilionário e duas vezes candidato à presidência dos EUA Ross Perot acerca do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio foi um desses casos. Durante décadas manteve-se como um dos programas mais vistos no cabo. Outro momento histórico aconteceu quando Larry King conseguiu pôr o antigo líder palestiniano Yasser Arafat, o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin (ambos já falecidos) e o rei Hussein da Jordânia a falar sobre o processo de paz no Médio Oriente.

Apesar da sua imensa popularidade, ultimamente o programa começou a capitular perante programas rivais, sobretudo o de Rachel Maddow, na MSNBC, e o de Sean Hannity, da Fox. Quer um quer outro são mais combativos que King, que nunca foi conhecido pelo seu estilo beligerante de entrevistas.

Ultimamente, o Larry King, Live afundou-se nas sondagens (com uma média de 670 mil espectadores por programa que, segundo o New York Times, é o rating mais baixo de sempre na última década), pelo que esta pode ser outra explicação - para além da vida pessoal - para o fim do programa, apesar de King já ter jurado “por Deus” que não houve o mínimo de pressão por parte dos directores da CNN para que King descesse do seu trono.

Carreira construída a pulso

Foi por causa de um anúncio a uma bebida alcoólica - o King's Wholesale Liquor - que Larry (Lawrence) mudou de nome, segundos antes de ir para o ar pela primeira vez. Mas aos 20 e poucos anos ainda era conhecido por Lawrence Harvey Zeiger e continuava na sua Nova Iorque natal (nasceu em Brooklyn, em 1933), filho de um austríaco e de uma russa. Era, por esses dias, estafeta da UPS, mas o bicho da rádio já o tinha mordido. O seu sonho consistia em falar para microfones e fazer-se ouvir.

A sua primeira grande oportunidade aconteceu quando se mudou para a Florida, para trabalhar numa pequena rádio local, onde acumulou serviços de limpeza e outras tarefas várias. Em 1957 conseguiu finalmente sentar-se num estúdio, trabalhando como disc jockey das nove ao meio-dia. Progressivamente, Larry foi crescendo profissionalmente até se transformar numa celebridade local.

O seu estilo de vida extravagante acabou, porém, por conduzi-lo a uma série de dívidas, que lhe arrasaram a reputação e a carreira construída a pulso. Só se conseguiu erguer passados alguns anos e, em 1978, através da Mutual Radio Network, tornou-se no popular apresentador do primeiro programa de rádio que recebia em directo chamadas dos seus ouvintes, o The Larry King Show, que se transformou num fenómeno à escala nacional.

A partir de 1985, Ted Turner - o homem que ergueu a CNN do nada - desafiou Larry King a fazer em televisão aquilo que já fazia em rádio: falar com pessoas. O resto é história. O programa Larry King, Live acaba de cumprir 25 anos de existência e entrou no livro de recordes mundiais do Guiness por ser o programa que mais tempo esteve no ar, com o mesmo apresentador, no mesmo horário.

Durante a sua carreira já ganhou dezenas de prémios, incluindo um Emmy e dois Peabody, bem como dez prémios Cable ACE.

Menos constante tem sido a vida amorosa do apresentador. Casou-se sete vezes, a última das quais com a actual mulher que lhe pediu o divórcio em Abril deste ano, mas com quem entretanto se reconciliou: Shawn Southwick-King. Juntos tiveram dois filhos, Chance e Cannon, que King disse querer que o recordassem como presente nas suas vidas enquanto ainda são crianças. É por eles e pela mulher que se retira, a poucos anos de completar 80.

King vai continuar na “família CNN”

Larry King é uma figura muito querida no panorama dos media norte-americanos. É descrito como sendo uma pessoa simpática, franca e bem humorada, com uma pitada de irreverência.

Depois do seu anúncio de ontem, algumas personalidades da vida norte-americana telefonaram para o estúdio para falarem com Larry. Nancy Reagan, a mulher do falecido ex-Presidente, queixou-se, com bom humor, do facto de Larry não lhe ter pedido autorização para se retirar. O “colega” Regis Philbin - um dos apresentadores mais famosos dos EUA - disse, por seu lado: “Vou ter saudades dos teus suspensórios. Vou ter saudades da tua voz. Vou ter saudades de tudo”.

Durante o programa de ontem, durante o qual entrevistou o humorista Bill Maher, King disse não ter ainda feito quaisquer planos para o seu futuro, mas acrescentou: “Com este capítulo a fechar-se, estou entusiasmado com o futuro (...), mas por agora é tempo de pendurar os meus suspensórios”.

King fez igualmente saber, ontem, que irá permanecer na “família CNN”, podendo daqui em diante apresentar grandes eventos televisivos, como entrevistas colectivas com todos os Presidentes americanos vivos ou uma visita guiada pela casa de Barbra Streisand, aventa o “LA Times”.

Quando questionado acerca de quem gostaria que o substituísse na condução de um programa feito à semelhança do seu, King respondeu Ryan Seacrest, o apresentador do popular concurso americano “American Idol”. “Ele é curioso, interessante e é fácil de se gostar dele”, disse.

Outros nomes tem surgido, porém, na linha da frente para substituírem o “rei”, nomeadamente da jornalista da CBS Katie Couric e Piers Morgan, o britânico que é júri dos programas America's Got Talent e Britain’s Got Talent. Em breve se saberá quem herda o ceptro.

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