Testes de paternidade já são vendidos nas farmácias

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O teste compra-se na farmácia, mas a recolha de amostra pode ser feita em casa PÚBLICO

Recolhem-se as amostras de ADN, enviam-se pelo correio, e aguarda-se pelo resultado. O primeiro teste de paternidade anónimo, feito sem a mediação de profissionais de saúde, já está a ser vendido, de forma livre, nas farmácias.

Porém, a possibilidade de serem feitos sem a identificação ou o consentimento dos envolvidos preocupa o presidente da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, que alerta para as "consequências graves" que estes processos podem desencadear.

Até agora, os testes particulares de paternidade podiam ser feitos em laboratórios públicos ou privados ou nos institutos de Medicina Legal, que são também responsáveis pelos testes de reconhecimento judicial da paternidade. Nos últimos anos, surgiram na Internet várias empresas que oferecem o serviço ao domicílio e, agora, através de uma empresa portuguesa, chegam também às vitrinas das farmácias, com um preço aproximado de 250 euros.

A recolha do material biológico pode ser feita em casa, sem ser necessária a deslocação a laboratórios: dentro de uma caixa branca estão dois kits para recolha de amostras de saliva na boca; as amostras são depois colocadas em cartões especiais e enviadas através de correio para os laboratórios onde é feita a comparação de perfis de ADN. Os resultados são comunicados através de um software que os utilizadores têm que instalar no computador.

"É exactamente tão rigoroso como outro teste qualquer. Nos laboratórios com quem temos protocolos comparamos os dois perfis genéticos enviados e depois comunicamos às pessoas o valor que indica a probabilidade de paternidade", afirma Mário Mendes, responsável pela empresa UnoDna, que espera em breve começar a exportar o produto para a Espanha, Alemanha e outros países europeus.

De acordo com a empresa, o processo de encaminhamento das análises "não permite a ocorrência de erros de trocas de amostras", já que cada cartão possui um código numérico único. Contudo, como o processo ocorre sob total anonimato, e é impossível comprovar a origem das amostras, o teste não tem validade legal.

Sem se pronunciar sobre a qualidade "técnico-científica" do teste, que diz desconhecer, o presidente da Sociedade Portuguesa de Genética Humana (SPGH), Francisco Corte-Real, mostra-se preocupado com a "ausência de salvaguardas" quanto à identificação ou ao consentimento das pessoas que poderão ser alvo do teste. "No limite, isto pode permitir que alguém colha uma amostra e faça uma investigação de parentesco noutra pessoa, sem que a outra pessoa tenha conhecimento ou dê consentimento para a recolha dessa mesma amostra", afirma, lembrando que as amostras de ADN são hoje facilmente recolhidas "num cigarro que é atirado ao chão", "numa chiclete usada" ou "numa chávena de café que ficou em cima da mesa".

Usos indevidos

No caso concreto de um homem que queira confirmar se é de facto o pai de uma determinada criança, Francisco Corte-Real admite mesmo que, com este teste, a recolha de amostras no menor possa acontecer sem o consentimento do outro progenitor.

Mário Mendes, da UnoDna, reconhece a possibilidade de existirem "usos indevidos" do produto e sublinha que a empresa pretende alertar os utilizadores para as eventuais consequências legais desses actos. Por isso, na instalação do produto é comunicado aos utilizadores que a "recolha de amostras em menores", sem o consentimento do pai e da mãe de registo, "pode significar um desrespeito pela lei".

Quanto à possibilidade de o kit facilitar a recolha não consentida de amostras de ADN de terceiros, o responsável pelo UnoDna diz que, nessas situações, seria muito difícil obter uma "amostra válida" para um teste de paternidade. "Não digo que tecnicamente seja impossível, mas considero que é muito improvável que tenha sucesso", afirma, acrescentando que "há laboratórios que realizam estes testes sem exigir identificação das pessoas".

O livre acesso a estes testes, anónimos e a preços mais acessíveis do que os realizados em laboratórios, pode constituir um benefício para os consumidores. Agostinho Almeida Santos, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, sublinha porém que há princípios que não podem ser subvertidos: "Não se podem recolher materiais biológicos, como sangue, urina ou saliva sem que a pessoa a quem é recolhido esse material dê o seu consentimento expresso", sublinha.

O objectivo do produto, lembra Mário Mendes, "não é criar inquietações ou dúvidas, mas sossegá-las". "As dúvidas, essas, já existem e são sempre mais prejudiciais e perniciosas porque são latentes, duram muito tempo, e fazem muito pior do que as certezas, sejam elas quais forem. Boas ou más", diz.

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