"Fantasia Lusitana": tudo pela nação

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Raramente um título terá sido tão ajustado a um filme. E "Fantasia Lusitana" passa a ser ponto de paragem obrigatório para olhar para Portugal.

Não era necessariamente aqui que esperávamos encontrar João Canijo, depois das explorações impiedosas do Portugal contemporâneo que foram "Noite Escura" ou "Mal Nascida" - aqui, entenda-se, num filme que está do lado do documentário, mais até do ensaio, do que da ficção.

Mas ainda bem que o encontramos aqui, porque "Fantasia Lusitana", abertura oficial inteiramente merecida do IndieLisboa, faz corpo com o olhar sobre Portugal dos seus filmes anteriores, mostrando como o Portugal de hoje decorre do Portugal de ontem - ou como o Portugal de ontem continua no Portugal de hoje.

"Tudo pela nação" são as primeiras palavras que se ouvem. São palavras que ilustram imagens de moços lusitanos que erguem bandeiras de sinais, que vêm de um jornal de actualidades cinematográficas de 1940, revelando desde logo o alucinante trabalho de pesquisa de imagens que lhe serve de base.

Canijo e o seu montador João Braz organizam com um virtuosismo avassalador, ao longo de 67 minutos, as imagens pesquisadas (que terminam, já a cores, com a inauguração do Cristo-Rei em 1959). Usam a Exposição do Mundo Português de 1940 como ponto central, e justapõem-lhe textos de três viajantes célebres que passaram por Lisboa durante a II Guerra Mundial - Alfred Döblin (o autor de "Berlin Alexanderplatz", na voz de Rüdiger Vogler; Erika Mann, filha de Thomas Mann, na voz de Hanna Schygulla; e Antoine de Saint-Exupéry, o autor do "Principezinho", na voz de Christian Patey).

O cruzamento das imagens triunfalistas do Portugal paradisíaco que as imagens de época sugerem e o olhar simultaneamente poético e lúcido dos textos lidos em "off"s funciona, então, como uma desmontagem metódica e meticulosa desse inicial "tudo pela nação" salazarista. E, de um modo perturbante, ilustra ao mesmo tempo o Portugal dos anos 1940, o Portugal do século XIX tal como Eça de Queiroz o imortalizou e o Portugal contemporâneo, traçando uma linhagem constante e coerente, desenhando um país cujos "brandos costumes" parecem, afinal, continuar a existir.

Ou seja, um país de fantasistas e fingidores, um país a duas velocidades das quais uma é uma simples fachada para "inglês ver" mas na qual, paradoxalmente, são os estrangeiros que menos acreditam, um país onde todos se preocupam com o supérfluo e o essencial fica para segundas núpcias.

Raramente um título terá sido tão ajustado a um filme. E "Fantasia Lusitana" passa a ser ponto de paragem obrigatório para olhar para Portugal.

Observatório: "Fantasia Lusitana" (Portugal, 2010, 1h07), de João Canijo.

Cinema São Jorge, sala 1, hoje às 21h30, e sala 3, quarta 28 às 16h15.

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