Palavras da década - I

Império Americano

A analogia atravessou a década: a América é o novo Império Romano? O jornalista Cullen Murphy perguntou mesmo “Are We Rome?”, traçando os reflexos no espelho das duas águias, a romana e a americana, que tiveram uma aceleração nestes dez anos. Aceleraram-se tanto o triunfalismo dos neoconservadores que chegaram às estruturas de poder dos EUA – e consideraram-se capazes de remodelar o mundo à imagem da democracia liberal americana, pondo as mãos na massa com armas e dinheiro – como o pessimismo dos que viam a excessiva expansão dos recursos americanos pelo mundo como uma agoirenta semelhança do que se passou com os romanos, cujo império se tornou demasiado grande para poder aguentar o centro. Assim, do discurso dos EUA como única superpotência do início da década passou-se para o cenário cada vez mais próximo de um novo mundo G2, isto é, da afirmação de um império rival: a China.


C.B.
iPod

A Apple soube transformá-lo num objecto de desejo e num símbolo de sofisticação. O iPod (cuja primeira geração foi lançada em 2001) e a bem conseguida ligação com a loja on-line iTunes foram responsáveis pelo renascimento da Apple. E, com a venda de canções separadas (em vez do tradicional álbum), o iPod e o iTunes conseguiram reinventar o negócio da música numa altura em que esta indústria se debate com o problema da partilha ilegal.


J.P.P. Islamofobia

Depois do 11 de Setembro, os sikhs fizeram T-shirts onde escreveram “eu não sou muçulmano”. Depois do 11 de Setembro, houve o 11 de Março e o 7 de Junho e os muçulmanos passaram a ser “outros”. O 11 de Setembro foi a oportunidade perdida e os muçulmanos passaram a ser Bin Laden. Antes dos ataques às Torres, já a Liga Norte italiana largava porcos perto de mesquitas em construção. Este ano a Suíça proibiu a construção de minaretes, porque as torres do islão “são o primeiro passo para a lei islâmica”. Em Portugal não há problemas de integração, mas o patriarca de Lisboa disse às jovens para pensarem “duas vezes em casar com um muçulmano”.


S.L. Incêndios

A outra catástrofe da década, a par da queda da ponte de Entre-os-Rios. A vaga de calor de 2003 transformou a paisagem portuguesa como nunca antes acontecera, as colunas de fumo visíveis nas imagens por satélite tornaram-se a imagem icónica de uma tragédia que revelava de novo o abandono a que a floresta tem estado sujeita. O país assistiu chocado ao relato das mortes, das aldeias cercadas, dos bombeiros que não chegavam para defender as populações.


M.G. Irão

O ayatollah foi sempre o mesmo, presidentes houve dois, um reformista que deu esperança mas pouco conseguiu – Khatami –, e um ultraconservador que distraiu o mundo com tiradas sobre o Holocausto – Mahmoud Ahmadinejad. A Casa Branca chamou-lhe “eixo do mal” e ajudou a alimentar o mito do Grande Satã. Obama disse que queria “sentar-se à mesa”. Enviou uma mensagem aos iranianos. Antes, Washington e Teerão tinham colaborado no Afeganistão e no Iraque. Hossein Derakhshan já publicara na Internet as instruções para criar blogues em farsi. O “pai” da blogosfera iraniana está preso desde 2008. Em 2009, Ahmadinejad quis ganhar outra vez. O Supremo Líder resolveu que o Presidente ficava. Os iranianos saíram à rua e twittaram. Ainda lá estão, chamam “assassino” a Khamenei e gritam pelo fim da República Islâmica, que em 2009 cumpriu 30 anos.


S.L. Iraque

Barack Obama não é contra a guerra, só contra as guerras estúpidas. Foi contra a de Cheney, Wolfowitz e Rumsfeld. Decidida após o 11 de Setembro (desejada antes), derrubou um déspota e fê-lo enforcar. Bush disse “missão cumprida” em Maio de 2003, Amã e Riad temeram por um “crescente xiita”, de Beirute a Teerão. O xiismo chegou ao poder num país árabe. Nos EUA falou-se do Vietname, para o Afeganistão não havia soldados e agora o Vietname é lá. Antes, houve o movimento antiguerra, centenas de milhares nas ruas. A Cimeira das Lajes, com Bush, Blair, Aznar e Barroso também. O Iraque desfez-se no ar, rebentou e agora vive sobre rastilhos. Ali se fizeram explodir homens, mulheres e crianças. Nos EUA, disparou o número de veteranos suicidas, sem-abrigo. Neil Young reuniu os CSNY e levou-os na digressão Déjà Vu, a cantar Let’s Impeach the President pelo Texas e tudo.


S.L.
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