As escolhas de música Clássica de 2009

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Alfred Brendel

1. Alfred Brendel
Concerto e recital de despedida
Decca

Pela excelência interpretativa e do próprio pianismo do ponto de vista técnico, este disco merece lugar de destaque na discografia. Mas pelo significado que tem para a história da interpretação pianística, é um documento inestimável. Brendel foi um dos maiores pianistas na história da música. Retirou-se dos palcos no auge da carreira artística.
O seu primeiro recital aconteceu em 1948, quando tinha 17 anos. O seu percurso foi singular: talento tardio, mas não vencedor de concursos internacionais. Mas na carreira discográfica atingiu estatuto ímpar. Gravações magistrais de Liszt e Brahms, três integrais das Sonatas de Beethoven, uma integral extraordinária dos concertos de Mozart, integral das sonatas de Schubert, e mais discos de referência. Para a sua despedida dos palcos, após 50 anos de carreira, escolheu repertório e locais emblemáticos para a sua carreira e despediu-se com dois concertos gravados ao vivo. Um concerto de Mozart na companhia de Sir Charles Mackerras, tocado na Musikverein de Viena com a frescura que se associa a Mozart, e um recital em Hanôver onde percorreu Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert e Bach, sempre a raiar a perfeição. Uma despedida em grande. R.P.

2. Sacrificium
Cecília Bartoli
Il Giardino Armonico, Giovanni Antonini (direcção)
Decca 

"Sacrificium" é um compêndio das proezas vocais dos "castrati", recordando ao mesmo tempo o sacrifício que estava na base da criação destas super-estrelas do barroco. Desde o Vivaldi Álbum que sabíamos que Cecilia Bartoli é insuperável no virtuosismo vocal, possuindo uma agilidade vertiginosa que coloca ao serviço de uma efervescente teatralidade, mas neste caso excede-se, levando todos os recursos ao limite. C.F.

3. J. S. Bach
Jesu, deine Passion
Collegium Vocale Gent, Dorothee Mields, Matthew White, Jan Kobow, Peter Kooy; Philippe Herreweghe (direcção)
Harmonia Mundi 

As Cantatas BWV 22, 23, 127 e 159 representam pontos culminantes do génio de Bach. A interpretação de Herreweghe e dos seus músicos é superlativa. O coro revela uma luminosa transparência, os solistas cantam com enorme convição e um sentido retórico apurado e os instrumentistas são exemplares. C.F.

4. Bach
Partitas e Sonatas para violino solo
Alina Ibragimova, violino
Hyperion (2 CD)

Alina Ibragimova interpreta as Sonatas e Partitas para violino solo de Bach, pináculo no repertório dos grandes violinistas. A qualidade que brota do seu violino Pietro Guarneri, construído em Veneza em 1738, um instrumento contemporâneo de Bach, conquista o ouvinte desde o primeiro minuto. Um som vibrante, acompanhado com uma articulação e ornamentação exemplares, dá corpo a uma interpretação rara pela forma como combina rigor e total liberdade expressiva. R.P.

5. Debussy
Prelúdios
Jean-Efflam Bavouzet, piano
Chandos 

O pianista Jean-Efflam Bavouzet merece amplos louvores pela sua gravação dos Prelúdios. Desde logo, segue a edição revista da Durand (1991), partitura que veio corrigir erros gravíssimos e amplamente discutidos pela comunidade internacional de musicólogos. A sua visão é analítica, reflectindo uma polifonia de grande detalhe e total compreensão do protagonismo de cada linha. Este disco, gravado em 1997 mas apresentado no nosso mercado em 2009, ombreia com as melhores gravações e transmite uma interpretação informada, de tempo rigoroso como Debussy aclamava. R.P.

6. Erik Satie
Avant-dernières Pensées
Alexandre Tharaud e Éric le Sage (piano), Juliette e Jean Delescluse (canto), Isabelle Faust (violino), David Guerrier (trompete)
Harmonia Mundi (2 CD)

Uma irresistível antologia do compositor francês, que combina peças célebres e raridades para piano solo e em duo com músicos, como Éric Le Sage ou Juliette (nas canções de cabaret). Frequentemente negligenciada por não exigir grande virtuosismo técnico, a música de Satie apenas atinge a sua plenitude através de uma combinação de qualidades aparentemente contraditórias (despojamento, ironia, irreverência, mistério, introspecção) que Tharaud encarna com perspicácia. C.F.

7. Tchaikovsky
Obras para violino e orquestra
Janine Jansen, violino
Mahler Chamber Orchestra; Daniel Harding, direcção
Decca 

A gravação é sublime. Janine Jansen é capaz de oscilar entre a maior intensidade dramática ou a simplicidade de trinar uma melodia como um violino de rua, usando essa capacidade em perfeita sintonia com os requisitos das partituras. R.P.

8. Bach
Cravo bem-temperado
Angela Hewitt, piano
4 CD Hyperion 

Com esta nova integral do "Cravo bem temperado" Angela Hewitt alcançou o estatuto da grande intérprete Bach. Em comparação com a última integral que gravou, entre 1997 e 1999, está mais assertiva no campo emocional, demonstra maior liberdade, as suas sonoridades são mais luminosas, aspecto para o qual também contribui o seu piano Fazioli que tem uns agudos sonoros e cristalinos, assim como uns graves bem definidos. Tudo isto com um detalhe polifónico irrepreensível, razão pela qual chamámos a esta edição a "versão gourmet" do "Cravo bem-temperado". R.P.

9. François Couperin
Ténèbres du Premier Jour
Les Demoiselles de Saint-Cyr
Emmanuel Mandrin (órgão e direcção)
Ambronay

Les Demoiselles de Saint-Cyr estiveram 10 anos sem gravar, mas o seu regresso ao Festival de Ambronay de 2008 com programa dedicado às "Leçons de Ténèbres" de Couperin, e à música de Charpentier e Lambert, foi triunfal. O som imponente do órgão de Saint-Antoine l'Abbaye (1748) apoia as vozes etéreas das intérpretes e a sensação de espaço presente na captação transporta o ouvinte para o contexto de execução. C.F.

10. A Imagem da Melancolia
The Bad Tempered Consort
Pedro Sousa Silva (direcção)
Challenge Classics 

Com o CD "The Bad Tempered Consort" (trocadilho com "O teclado Bem Temperado", de Bach), A Imagem da Melancolia revela um nível artístico que corresponde aos mais altos padrões internacionais. Obras polifónicas portuguesas do século XVII são tocadas por um conjunto de flautas de bisel recorrento a combinações inspiradas nos registos do órgão. Seduz o ouvinte de imediato pela envolvência das cores sonoras, pela clareza e espontaneidade do discurso e por uma hábil exploração do carácter distintivo de cada peça. C.F.

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