Jesus "chegou a expulsar o presidente do balneário"

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Jorge Jesus Foto: Hugo Correia

Ao intervalo, o destino do jogo parecia traçado: o Amora vencia por 3-0. Do banco do Almancilense salta Jesus, um médio veterano de 35 anos em fim de carreira que também cumpria funções de adjunto do treinador. O jogo terminou 3-3 e Jesus foi, diz quem o viu, a chave do empate.

Foi o dia em que acabou a carreira de Jesus, jogador, e começou a carreira de Jorge Jesus, treinador. Impressionados com a sua exibição, os dirigentes do Amora decidiram contratá-lo no próprio dia. "Não perdemos o jogo por pouco. Falei com o meu presidente e arranjei o telefone dele no próprio dia", recorda Isau Maia, na altura o vice-presidente do Amora para o futebol. A única exigência de Jesus: não queria ser jogador-treinador, apenas treinador.

"O nosso presidente daquele tempo [Mário Rui] percebia de futebol", garante Alfredo Guiza, sócio número 5 do Amora e dirigente do clube na altura da contratação de Jesus. Dois dias depois, conta Isau Maia, Jesus já estava a dar o treino, no Estádio da Medideira, na Amora, uma pequena localidade do concelho do Seixal . "Não tínhamos uma grande equipa, mas dava para perceber que ele tinha estampa de treinador", acrescenta. "Assim que ele entrou, instituiu logo uma rotina de treinos bidiários. Era uma equipa de amadores, mas quem pudesse tinha de vir cá treinar duas vezes."

Na conversa entra Paulo Carolino, homem da terra e um daqueles adeptos que sabem tudo sobre o clube. Jesus não era do seu tempo, mas sabia tudo o que acontecera na sua época. Atira com o resultado do primeiro jogo de Jesus, uma derrota por 1-0 frente ao Trafaria. Mas seria um primeiro percalço numa época de sucesso para o Amora. Ficou em terceiro lugar no campeonato e subiu à 2.ª Divisão B.

O Amora é um clube fundado em 1921, que sobrevive com grandes dificuldades. A história é comum no futebol português. As dívidas acumulam-se, as receitas não são muitas e os adeptos cada vez menos. Em termos desportivos, é um clube quase anónimo da III Divisão. A Medideira, antes um palco de jogos de primeira divisão (onde o Amora esteve três épocas), parece um campo triste em dia de chuva. O relvado (o mesmo desde 1983) tem muitos buracos e está cheio de poças de lama. Um adepto que se junta à conversa relembra os tempos de primeira divisão. "Quase ninguém passava aqui. Benfica, Sporting e FC Porto, todos perderam com o Amora."

Depois de uma época 1990-91 tranquila, Jesus conduziu o Amora à Divisão de Honra, por ter sido campeão da Zona Sul na II B. Mas não chegou ao fim. Foi despedido à jornada 19, numa época em que chegou aos quartos-de-final da Taça de Portugal, eliminado pelo Benfica no Estádio da Luz, por 5-0.

Por que é que Jesus foi despedido? "Houve alguns problemas nessa época. Foi uma decisão de toda a direcção", limita-se a dizer Isau Maia, que recorda, no entanto, que no dia em que o actual treinador do Benfica saiu os jogadores choraram. "Acho que foi o melhor treinador de sempre do Amora", diz o antigo dirigente.

Isau Maia gaba-lhe, sobretudo, o carácter, a coragem e o profissionalismo, e menos a afabilidade no relacionamento pessoal quando alguma questão profissional estivesse em causa: "Chegou a expulsar o presidente do balneário e não deixava que ninguém no banco se levantasse durante os jogos."

José Manuel Bourgard, massagista que acompanhou Jesus no Amora e, depois, no Felgueiras, acha que o treinador não mudou nada. As palavras-chave para o descrever, ele que o conhece desde a juventude, quando jogavam à bola juntos nas ruas da Venda Nova, são: convicto, dedicado, rigoroso e pedagogo.

E há alguma verdade na afirmação recente de Jesus em dizer que já utilizava marcação à zona nas bolas paradas desde os tempos do Amora. Isau Maia foi testemunha e garante que sim. "Acho até que, durante dois anos, não sofremos nenhum golo de canto."

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