Macau é mais seguro que Portugal

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Jorge Neto Valente Daniel Rocha

Macau está muito longe de ser o que era, quando o então jovem advogado veio fazer a tropa. "Gostei da vida pacata e, como era uma terra pequena, toda a gente podia sobressair. Resolvi ficar." Muitos faziam o mesmo, nem todos se adaptaram tão bem - o erro era pensar em Macau como uma extensão de Portugal. A sua orientação sempre foi outra: "Isto é estrangeiro, que por acaso tem uma história portuguesa."

A maior parte vinha para ocupar lugares de topo na administração, muito poucos como empresários. Com a transferência, "os cargos mais importantes foram cedidos. Houve uma falta de confiança no futuro, [achou-se] que tudo ia ser substituído por personagens chinesas. Não se confirmou".

Mas o pessimismo teve alguns efeitos. "Nos últimos anos, o Governo português só se preocupou com quem se quis ir embora, e não com quem quis ficar", acusa o também presidente da Associação dos Advogados de Macau. Apesar disso, e de "nunca nada ficar igual-igual, de uma forma geral, pode-se dizer que a atmosfera se manteve".

Houve momentos em que pareceu que não iria ser assim. "Alguns fanáticos, em nome do patriotismo, quiseram substituir tudo o que era português por chinês. São pessoas sem visão, que também as havia na administração portuguesa - não é uma questão de língua nem de raça."

Esta será, no entanto, a excepção porque "muitos portugueses são mais bem tratados agora que antes. Quem está no Governo considera que a cultura portuguesa é o que faz a diferença de Macau em relação a qualquer outra cidade da China".

Também a atitude de quem ficou é agora diferente. "Antes, havia muito mais parasitas do que há hoje, gente que vinha fazer intrigas, invejava muito, nunca se ambientava e fazia bastante mal à imagem dos portugueses. Hoje há muita gente útil: técnicos, empresários."

Regressar nunca esteve nos seus planos. O 25 de Abril ainda o fez reflectir, mas Portugal tornou-se um país de "inflação, de amigos a divorciarem-se, de uma vida casa-trabalho". Ficou, até hoje.

E nem depois de ter passado cinco dias sequestrado pela máfia 14 Quilates, em Março de 2001, mudou de ideias. "Foi chato, não gosto de ser raptado, não dá muito jeito", ironiza. Um tiro falhou por dois milímetros a artéria femoral, obrigando-o a passar 26 dias num hospital; ainda coxeia ligeiramente. "Fiquei em mau estado, mas não mais do que isso."

O 14 Quilates não chegou a exigir resgate (constou que se preparava para pedir 20 milhões de patacas pela sua libertação) e o advogado acabou por ser libertado com a ajuda do Grupo de Operações Especiais. Já dispensa os polícias que andavam sempre a acompanhá-lo, mas continua com guarda-costas e a cumprir algumas regras básicas de segurança, como não sair sozinho nem ter rotinas. Ainda assim, "Macau continua a ser muito mais seguro que Portugal".

Mais seguro e mais fiável. "Tive lá negócios e acabei com tudo. Está cheio de vigarices. Repugna-me o estado da justiça em Portugal." Não é uma zanga, garante. São opções.

"Tenho uma grande admiração pela China e pela cultura chinesa", adianta. E tem também um passaporte chinês porque houve quem lho oferecesse sem ele pedir nada: "Eu disse que era português e continuaria a ser. Responderam-me: "Não lhe perguntei se quer renunciar à nacionalidade portuguesa, só quero saber se quer ser chinês?" Quero." Dentro da China (que, ao contrário do que este caso indica, não aceita dupla nacionalidade) será sempre tratado como tal. Nada de particularmente estranho: fala chinês, casou com uma chinesa, os seus dois filhos são também bilingues, e já leva mais anos de Macau do que de Portugal. "Era esquisito não assimilar a cultura do lugar onde vivo."

Texto publicado na Pública de 13.12.2009
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