Confissões reúnem hoje em Lisboa para definir assistência espiritual nos hospitais

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Em Portugal existem entre 100 a 120 capelães católicos espalhados pelas instituições hospitalares Paulo Ricca

“Tornar mais fácil o acesso das diferente confissões” é um dos objectivos do encontro que reúne em Lisboa representantes católicos, do Conselho Português de Igrejas Cristãs (protestantes), da Aliança Evangélica Portuguesa, de várias igrejas cristãs ortodoxas, Comunidade Israelita, Comunidade Islâmica, Comunidade Hindu, União Budista e Comunidade Bahá”í.

Este encontro faz parte de um processo que tem de estar concluído até ao final de Janeiro, altura em que os conselhos de administração dos serviços de saúde têm de concluir os seus regulamentos internos relativos à assistência espiritual e religiosa.

Para a realização deste regulamento (definido no Decreto-Lei nº 253/2009), os conselhos de administração contam com a ajuda dos capelães católicos que querem que haja “o acesso das outras religiões para patamares iguais às da católica”, garantiu o padre José Nuno, coordenador dos capelães católicos dos hospitais.

“No quotidiano da vida hospitalar fomo-nos apercebendo de que era preciso enquadrar esta situação”, disse, lembrando histórias em que lhes era exigido “que assistissem os doentes durante a sua hora de visita e também havia casos em que só podiam entrar, na hora de visita, quando saíssem as outras visitas”.

O padre José Nuno reconhece que a criação de regras que permitam a presença de todas as confissões é complicada, uma vez que esses regulamentos têm de garantir que “por baixo da capa da religião não se está a permitir fenómenos menos honestos”, de “mercantilismo religioso”.

Os capelães vão hoje “ouvir os companheiros de viagem” num encontro que decorre durante todo o dia na reitoria da Universidade Católica, em Lisboa, onde está prevista a presença, às 15h00, da Ministra da Saúde.

Além das confissões religiosas, o padre José Nuno espera que, no futuro, a assistência espiritual venha a “agregar entidades agnósticas e ateias”.

"Passamos o dia inteiro de desgraça em desgraça"

É muitas vezes entre lágrimas que celebram baptizados e casamentos nos hospitais. Os capelães católicos conhecem bem o significado da palavra “sofrimento”, mas nunca deixam de pregar a “esperança”, mesmo quando a morte está eminente.

“Passamos o dia inteiro de desgraça em desgraça. É assim a vida de um capelão”, desabafa o padre José Nuno Ferreira da Silva, coordenador nacional das capelanias hospitalares.

Em Portugal existem entre 100 a 120 capelães católicos espalhados pelas instituições hospitalares. Celebram cerimónias religiosas nas capelas e enfermarias, visitam doentes e são procurados por pacientes e familiares. Lutam contra a solidão que, segundo José Nuno, “é cada vez maior nos hospitais”.

Estes padres têm tempo para escutar, garantem que sabem ouvir e tentam ajudar a encontrar respostas, como a de uma mãe que pergunta porque perdeu um filho. “Quem é que tem tempo para isto, quando o que conta são os índices de produtividade?”, questiona o padre e capelão no Hospital São João, no Porto, há dez anos.

“O que nós representamos dentro das instituições de saúde não é dispensável, não é acessório nem marginal. Nós acompanhamos as pessoas no sofrimento e os familiares nos momentos dos “porquês”, sublinha.

Para este representante, a cerimónia do baptismo é provavelmente dos momentos mais difíceis. “É entre lágrimas que baptizamos crianças”, admite. O padre Fernando Sampaio, capelão do Hospital Santa Maria, em Lisboa, corrobora e acrescenta: “Fazemos baptismos em incubadoras, quando as esperanças de vida são muito poucas”.

“Às vezes, é muito duro, mas também consegue ser fabuloso”, diz o padre que, antes de chegar ao Santa Maria, esteve nove anos no Instituto Português de Oncologia (IPO). Fernando Sampaio prefere recordar os casamentos que já celebrou na capela mas também na enfermaria, onde todos os doentes acabam por participar na cerimónia.

O padre do Santa Maria não consegue esquecer um casamento em que os filhos insistiram com o pai, em fase terminal, para que “regularizasse a situação com a senhora com quem vivia”.

“Os herdeiros fizeram pressão para garantir que a senhora não ficava sem nada. Foi muito bonito. A família esteve toda presente na enfermaria. São momentos únicos”, recorda. O senhor havia de morrer no dia seguinte.

O padre José Nuno garante que é habitual os doentes “deixarem que a morte aconteça”, quando sentem que já chegou o momento que queriam. “Quando estão em estado terminal apostam numa data e a seguir morrem”, diz José Nuno, garantindo que “há muitos casamentos em que um dos cônjuges morre no momento seguinte”.

Ainda esta semana, o capelão do São João teve esta experiência. Na terça-feira, um dia após ter celebrado as Bodas de Ouro de um doente na capela do hospital portuense, o padre recebia a notícia por telefone: o doente tinha falecido.

“A directora dos cuidados paliativos ligou-me a avisar mas contou também que a mulher tinha dito que a boda tinha sido um dos momentos mais maravilhosos que teve nos últimos tempos”, recordou o capelão.

Para José Nuno, a cerimónia foi também “muito marcante”: enquanto alunos e recém-licenciados da escola de saúde entoavam um cântico a quatro vozes, o padre oferecia botões de camélias por abrir aos filhos do casal e à esposa. “É uma promessa do amanhã”, explicava o padre durante o ritual.

O padre não consegue esquecer a “intensa felicidade” expressa no sorriso do doente, que haveria de morrer poucas horas depois. “A vida também é a vontade de viver e muitas vezes (os doentes) permitem que o inevitável aconteça”, defende o capelão, concluindo que este é o “mistério”.