O riso de Francisco Queirós

A obra deste artista continua desconcertante, risonha e surrealista

Francisco Queirós (Lisboa, 1972) é um artista misterioso. Surgido na década passada ao lado de Rui Toscano, Catarina Campino, Pedro Diniz Reis, entre outros, destacou-se pelas pequenas "histórias" em vídeo, cheias de seres ambíguos e corpos animados, "violência" infantil e imagens em "loop". Foi aliás com estaprodução, extremamente singular e inesperada no contexto nacional, que atraiu a atenção de curadores e instituições - a título de exemplo, expôs, em 2003, no Museu de Serralves e no Centro D''Art Santa Mónica em Barcelona. Curtos, maravilhosos e, por vezes cruéis, os seus vídeos reuniam o fantástico do surrealismo ao imaginário audiovisual da cultura menos "séria" (a urbana e pop).

Nos últimos quatro anos, porém, Francisco Queirós tem escapado ao mesmo radar crítico que antes o localizava, situação algo inexplicável, pois permanece o artista que fez, há nove anos, "friezenwall # 1 (the forest)" ou em 2003 "if you trap the moment before its ripe". Uma das razões de tal "desaparecimento" (e especulamos) terá a ver com o seu desenho. Tem aqui e ali onomatopeias, esboços de figuras e motivos facilmente associáveis ao desenho animado ou ao graffiti. Em suma: é muito gráfico, o que pode ser testemunhado em "Meathaus", exposição que apresenta na Galeria do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, com a curadoria de João Moura. E encontramos aqui, de facto, esse desenho.

Expandido, flexível, imediato que corre em palavras nos paredes brancas ("tu és feito de luz brilha" ou "isolate the enemy", ambos de 2009). Ou sobre papel, nas quatro séries de "between light and darkness" (2009). No primeiro caso, é tentador aproximá-lo dos registos de Nedko Solakov ou de Dan Petrosvisch, mas os "escritos" desenhados de Queirós furtam-se ao comentário. Preferem antes o humor dadaísta, a interpelação gráfica. Aparecem. Em "between light and darkness" (2009) há mais palavras e frases. Exclamativas, estranhas, absurdas, algumas agressivas, outras estranhamente familiares, a grande maioria criada através de um programa informático de escrita automática.O resultado é um fascinante diálogo visual entre os sentidos que essa colagem e o trabalho do artista sobre o papel despertam: cores, figuras, manchas, borrões, fotografias, objectos; o gráfico, o pictórico, o tridimensional. Pendurados por fita adesiva, mostram-se quase como pequenas e frágeis "pinturas".

"Meathaus" tem, todavia, mais do que desenho. Tem vídeos, esculturas, fotografias, obras atravessadas por um riso dadaísta, delirante e resistente. Descubra-se no chão, com cuidado, a singela escultura "a minha flor nunca morre" (2002-09) ou aprecie-se o magnífico object-trouvé pop que é "matei o meu leitinho" (2001-09).

Confundem-se na obra de Queirós estilos distintos, convenções ou momentos da arte contemporânea, referências de outras linguagens visuais. Sempre no vértice da irrisão pura, da crítica "espontânea". O exemplo mais divertido é "668 - o vizinho da besta" (2009), onde se convoca a fotografia enquanto registo de uma acção ou percurso. O artista encontrou perto de casa, dispostos de forma particular, objectos, pedaços de madeira e pedras e fotografou-os até que um dia, simplesmente, desapareceram. A situação é-nos relatada como um episódio misterioso, quase uma ficção onde não faltam um vulto, uma coisa ou árvores cortadas. É este riso, esta terna "falta de respeito" que vai singularizando hoje a abordagem de Francisco Queirós. Abordagem onde os desenhos podem ser tão-somente desenhos animados (ver "monster: acts of love", também de 2009) desenhos na parede ou desenhos que se fazem com as palavras. Numa viagem constante entre a história da vida do artista e história da arte contemporânea.

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