As pinturas são canções que são vídeos

Obras de António Olaio na Culturgest de Lisboa, numa exposição onde em que a dimensão plástica não é "inimiga" da reflexão conceptual.

É logo na primeira sala que a ideia de performatividade se revela em "Brrrrain", exposição consagrada a António Olaio (1963, Sá da Bandeira, Angola) na Culturgest, com curadoria de Miguel Wandschneider. Dispostos lado a lado, três ecrãs mostram, cada um, imagens de performances: no Centre Georges Pompidou, em Paris, em 1984; na Galeria dos Milagres, em Coimbra, dois anos depois; e, finalmente, num contexto um pouco mais ambíguo, um concerto, nos anos 90, dos Repórter Estrábico, grupo que o próprio António Olaio integrou enquanto cantor e letrista até 1993. Em todos, a mesma dança, quase imóvel, risível, que não sai do sítio; uma imagem fixa, uma performance. (sobre outras relações entre as performances artística e musical vale a pena ler "A Brief History of The Audience", de Robert Nickas, publicado em "Prières Américaines", Editions Les Presses du Réel, França, 2002).

É a partir dessa presença que "Braain" parte para propor o seu fim: relacionar, no mesmo espaço, as pinturas e os vídeos de António Olaio, sublinhando genealogias, circulações, projecções. Como um diálogo reflexivo entre corpo e palavras, telas e canções, pinturas e vídeos (que são também, frequentemente, videoclips, mas já lá vamos).

Atente-se na série de 11 pinturas realizadas entre 1993-1994. Visualmente atraentes, "curtas", coloridas, por vezes grotescas, com títulos que parecem servir de legendas ("Potato Farm", "Rosebud" ou "What do You Want for Xmas?"), exibem um estilo figurativo que evoca não só a própria pintura mas também o repertório visual da cultura de massas. Numa sala contígua, o artista empresta depois os mesmos títulos a uma série de vídeos, datados de 1994, em que canta sobre melodias preexistentes ("readymades"). As letras são suas e usa a voz não para falar, mas para cantar. Torna-se cantor (performer), sem deixar de ser artista.

A montagem irrepreensível de "Brrrrain" facilita a leitura destes "movimentos". As paredes onde se penduram as pinturas confrontam as salas escuras dos vídeos (veja-se, por exemplo, a série de 11 quadros "Bambi Is In Jail", realizada entre 1996 e 1997, e o vídeo homónimo de 1997) enquanto os ecos das canções se escutam nos corredores. O ridículo, a caricatura e o humor estão quase sempre presentes na obra do artista, em particular nos motivos das performances musicais, mas também na pintura ("Auto-retrato", 2007) - o que não impede, pelo contrário, o surgimento de uma ironia conciliadora em "What Happened to Henri Matisse?", onde Duchamp pergunta pelo autor de "La Femme au Chapeau", porventura saudoso da sensualidade das cores (cores que, diga-se, Olaio "leva", para nosso prazer, aos seus quadros), ou de uma interrogação meditada dirigida ao conceito de saber fazer em "I Think Differently Now That I Can Paint (#1)", de 2003.

É no contexto desta atitude que deve ser entendida a citação que o artista faz do videoclip, já com a colaboração de João Taborda, a partir de 1995. Com efeito, os vídeos produzidos a partir desse ano incluem com frequência um músico (o próprio João Taborda) e aproximam-se daquele formato audiovisual (é mais evidente a omnipresença da canção); ao mesmo tempo, porém, assumem a qualidade decorativa da pintura e são - na sua dimensão escrita, enquanto "letras" - como que "alternativas" imaginárias às teorias da arte ("Pictures Are Not Movies", 2005). Ou, se quiserem, apenas canções que podem sem trauteadas, como se estivéssemos a ouvir/ver performances no nosso cérebro.

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