Portugal perde mais fundos do que a Espanha se cancelar o TGV

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O TGV tem um custo estimado para Portugal de 7,7 mil milhões de euros Franck Preve/Reuters

Portugal perde mais fundos europeus do que a Espanha, caso decida cancelar ou suspender a construção da rede alta velocidade.

A possibilidade de as decisões portuguesas poderem estar a ser condicionadas pelas opções espanholas, um argumento introduzido por Manuela Ferreira Leite no debate de sábado com José Sócrates, esbarra nesta certeza e ainda numa outra: em termos de fundos europeus, Portugal apenas pode influenciar o financiamento das ligações transfronteiriças. Que representam uma pequena parcela dos enormes recursos financeiros que as redes do TGV em Portugal e Espanha vão consumir.

Os financiamentos que dependem de uma acção conjunta dos dois países estão associados aos 60 quilómetros que ligam Ponte de Lima a Vigo, e os 130 quilómetros que unem Évora, Caia, Badajoz e Mérida. Para estes troços foi aprovado um financiamento, no âmbito dos projectos prioritários da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T) que entregou a Portugal 60 por cento da verba atribuída. Dos 1,2 mil milhões de euros elegíveis como necessários para construir uma rede de alta velocidade nos 120 quilómetros que separam Évora de Mérida, a RTE-T financia 312,6 milhões - dos quais 191,4 milhões seriam entregues a Portugal.

Dos 956 milhões de euros necessários para construir os 65 quilómetros entre Ponte de Lima e Vigo, a RTE- T iria comparticipar com 244 milhões, dos quais 140 seriam geridos pelas autoridades portuguesas. No somatório destes dois troços, Portugal fica com 332 milhões de euros; e a Espanha com 224 milhões. No caso português, e no âmbito das RTE-T, a Rave tinha ainda aprovado um financiamento de 51,3 milhões de euros para o projecto da terceira travessia do Tejo, e mais 5,4 milhões para a preparação da sua ligação à Gare do Oriente.

No total, as RTE-T iriam atribuir a Portugal uma verba de 389 milhões de euros, que não poderão ser afectados noutros projectos. A Rave, responsável pela concretização do projecto da alta velocidade em Portugal, sublinha que esta verba corresponde a dez por cento de todo o orçamento previsto, em termos de alta velocidade, para os 27 países da União Europeia.

As restantes ligações internas da complexa rede ferroviária que está a ser desenhada na Península Ibérica têm financiamento gerido e organizado pelos respectivos países. E é nestas ligações que os gastos serão maiores. Ao todo, Portugal prevê um investimento de 7,7 mil milhões de euros; e os custos na Espanha ascendem a 85 mil milhões, envolvendo a construção de 20 mil quilómetros de alta velocidade na próxima década. Para estes troços, também haverá financiamento da UE, através do Fundo de Coesão, estando previstos 955 milhões de euros para Portugal e 3,2 mil milhões para a rede espanhola até 2013.

Mas, nestes casos, os estados-membros são autónomos e soberanos, e as decisões de um não podem afectar as do outro, como sublinhou ao PÚBLICO o porta-voz do novo comissário para o Desenvolvimento Regional, Pawel Samecki. Faça ou não faça a sua própria rede interna, Portugal não influencia os fundos de coesão já garantidos por Madrid em Bruxelas.

Sendo soberano nas suas decisões, o Governo que sair das eleições de 27 de Setembro terá que avaliar o custo de oportunidade que será dispensar fundos já garantidos e congelar os compromissos da cimeira da Figueira da Foz, onde, por exemplo, se decidiu que a ligação a Madrid seria feita por Badajoz (como queriam os espanhóis) e não por Cáceres (como até aí defendiam os portugueses). Do lado espanhol, o projecto não está em causa seja qual for a decisão de Lisboa - a principal justificação para levar a alta velocidade à sua fronteira ocidental é justificada com a necessidade da coesão económica e social do país. Em construção está já um troço de 70 quilómetros, que parte de Badajoz em direcção a Madrid.

Bruxelas paga 17 por cento

Portugal já tem negociados - quer em sede de projectos a financiar por via do Fundo de Coesão, quer na linha de financiamento específica das RTE-T - cerca de 1344 milhões de euros, ou seja, não chega a 17 por cento do bolo total previsto para a construção de toda a rede em Portugal. A decisão de não avançar com a alta velocidade não significa perder a totalidade deste montante, porque, pelo menos os 955 milhões que estão previstos em sede de Fundo de Coesão poderão ser reafectados.

Contactada pelo PÚBLICO, uma fonte oficial da Rave confirmou que, no que respeita às verbas do Fundo de Coesão, e tendo em conta que a Alta velocidade está incluída no Plano Operacional de Valorização do Território (POVT), as regras de gestão das decisões de financiamento serão da responsabilidade da Autoridade de Gestão do POVT. Já no âmbito da RTE-T, o "apoio financeiro é concedido a um projecto específico", pelo que, em caso de não execução da alta velocidade, "não é possível a sua utilização noutro projecto nacional".

A mesma fonte sublinhou que "a não execução do projecto por parte de um país determina de imediato o atraso no recebimento dos fundos da parte do outro país, podendo, no limite, originar a devolução de todos os fundos recebidos por ambas as partes". O PÚBLICO confirmou junto da Rave que, até ao momento, não há devolução de verbas em causa.

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