Pelo Museu de Arte Popular, bordar, bordar

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O movimento cívico em prol do MAP surgiu há cerca de uma semana Pedro Cunha (arquivo)

Um lenço de namorados – coqueluche do artesanato popular português –, em formato XXL, será amanhã transformado em símbolo do descontentamento pela instalação do novo Museu da Língua no edifício que acolhia o Museu de Arte Popular (MAP), em Belém.

A empresária Catarina Portas, a designer Rosa Pomar, a artista plástica Joana Vasconcelos e Raquel Henriques da Silva, professora de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa e antiga directora do MAP, são as organizadoras do protesto e vão dar as mãos ao manifesto, bordando quadras alusivas à reivindicação e pedindo ajuda a todos quantos se queiram juntar à tarefa.

No final da jornada de trabalho e de luta – sob o lema Pelo Museu de Arte Popular, bordar bordar! – o enorme lenço de namorados será pendurado na fachada do edifício, como forma de protesto para uma decisão governamental que as organizadoras apelidam de “arbitrária, leviana e culturalmente injustificável”.

Contactada pelo PÚBLICO, Catarina Portas (cronista deste jornal) confirmou que o encontro está marcado para amanhã, às 12h00, frente ao edifício onde esteve instalado o Museu de Arte Popular até 2006, na Avenida de Brasília, Belém, ano em que a anterior ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, mandou encaixotar todo o espólio e transferi-lo para o Museu Nacional de Etnologia.

Frescos emparedados

Este movimento cívico em prol do MAP surgiu há cerca de uma semana, logo após a decisão, tomada em Conselho de Ministros, de que o Museu da Língua Portuguesa iria mesmo passar para o edifício que acolheu o Museu de Arte Popular. A ideia remonta ao tempo de Isabel Pires de Lima, que teve inicialmente a ideia de instalar aí um novo Museu do Mar e da Língua Portuguesa, num projecto assumidamente inspirado no museu congénere existente em S. Paulo.


Pouco tempo depois de tomar posse, o actual ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, confirmou a sua intenção de avançar com o projecto, mas, em Maio de 2008, admitiu a mudança de localização, tendo sido avançada a alternativa da estação ferroviária do Rossio, no centro de Lisboa. Posteriormente, porém, o ministro voltou atrás com esta hipótese, indicando que afinal o novo museu da língua – uma área que a sua tutela encara como prioritária – iria mesmo para Belém. Soube-se, finalmente, na semana passada, que iria ocupar o edifício anteriormente “habitado” pelo Museu de Arte Popular.

“Nós não somos contra o novo Museu da Língua. Acho excelente que ele exista. O que não entendo é que ele se instale num sítio que claramente não é o indicado. Por exemplo, o edifício tem imensos frescos, quase não existe nenhuma parede que esteja ‘nua’, e isso parece que vai ficar tudo coberto por detrás de uma espécie de caixa interior”, sublinha Catarina Portas.

O edifício que durante anos foi casa do MAP foi originalmente o pavilhão da Vida Popular da Exposição do Mundo Português, inaugurada em 1940, e será agora transformado num espaço multimédia de promoção da língua portuguesa.

Igualmente contactada pelo PÚBLICO, outra das organizadoras da iniciativa, Raquel Henriques da Silva, frisou a inadquação desta estrutura para servir de casa ao Museu da Língua. “Aquilo que vão fazer é uma violentação de um edifício que nada tem que ver com as funções que vai assumir. Vai ser feita uma intervenção altamente polémica. Como é que se instala um novo museu num sítio com um espaço tão condicionado, cheio de frescos? Não haveria um local mais adequado?”.

Espólio encaixotado, mas acautelado

Entretanto, todo o espólio oriundo do Museu de Arte Popular continua encaixotado, nas reservas do Museu Nacional de Etnologia, mas, de acordo com Raquel Henriques da Silva, a “colecção está acautelada”. A organização bate-se agora pela sua sobrevivência e para que possa novamente ser mostrada ao público. “Numa altura em que os velhos artesãos estão a morrer sem conseguirem passar os seus conhecimentos e as suas técnicas aos mais novos e em que, paralelamente, despontam muitos novos artesão – numa área com muitos pontos em comum com o


design

–, o Museu de Arte Popular poderia servir de plataforma de encontro entre ambas as gerações”, refere Catarina Portas.

E qual seria, então, a solução para o MAP? Idealmente voltaria para o edifício que o viu nascer, aceitando e respeitando as origens de uma estrutura e de uma colecção que divide opiniões. “Há uma elite que detesta o MAP, porque o associa ao salazarismo. É um museu incómodo, erradamente classificado de menor, que só se explica por razões ideológicas. Por outro lado, existe uma grande maioria de designers e de jovens artistas que quer a todo o custo preservar esse espólio, porque não tem dele nenhuma conotação ideológica”, explica Raquel Henriques da Silva.

Na impossibilidade de o Estado assumir a capacidade de gestão do património, as organizadoras - em particular Raquel Henriques da Silva – defendem a possibilidade de o museu se abrir à concessão a privados. Ao PÚBLICO, Catarina Portas – proprietária da loja A Vida Portuguesa, que vende produtos tradicionais portugueses - revelou a sua disponibilidade para o fazer, embora reconheça que “legalmente”, não sabe como isso poderia ser concretizado. “Em questões como esta, a Cultura deveria ser campo de algum experimentalismo”, insiste Raquel Henriques da Silva, que considera muito plausível a hipótese de um concessionamento a privados, desde que feito com empresários que oferecessem “garantias” e com “obrigações de um lado e de outro”.

Na impossibilidade de voltar a ocupar o seu antigo espaço – embora, oficialmente, o MAP nunca tenha sido juridicamente extinto – as organizadoras do protesto defendem a sua reinstalação num local adequado: “Ainda não contactámos o Instituto de Museus para nos inteirarmos dessa possibilidade, mas parece que é chegado o tempo de pensarmos nisso”, conclui Catarina Portas.

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