Portugal, Meu amor, uma incursão na vida portuguesa em nove programas

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Hugo Gonçalves, jornalista, e a produtora Black Box apresntam a partir de hoje a sua ideia de Portugal DR

Nos últimos anos, Portugal está atentamente a escrutinar o seu umbigo. Não são só as estatísticas, nem os estudos que nos põem numa qualquer cauda europeia. É o Portugal de Amália. É o Portugal de Salazar. É o Portugal de Abril. É o Portugal da Guerra Colonial. É o Portugal da orchata e do capilé. É o Portugal dos Bordalo, Rafael e Columbano. E agora, é o país de Hugo Gonçalves e sua equipa de inquisitivos documentaristas que declaram: Portugal, Meu Amor.

Hugo Gonçalves, jornalista, viveu cá e lá - lá fora, no estrangeiro, na Nova Iorque pós-11 de Setembro e em Madrid. Antes de regressar e já com dois romances no currículo, começou a cozinhar, com a produtora Black Box e com o realizador Luís Garcia, uma ideia de Portugal. Não é uma ideia feita, nem sequer acabada. São nove programas de 30 minutos, nove incursões na vida portuguesa que olham, a partir das memórias de Hugo Gonçalves, nascido em 1976, para o que o que o país mudou nos últimos 30 anos.

A tentativa de perceber a portugalidade é uma auto-análise, "comum a todos os países", opina Hugo Gonçalves. "No caso de Portugal, essa necessidade está talvez intensificada por estarmos a viver um momento de crise, não apenas financeira - é uma crise de valores, não no sentido moral, mas no sentido de que este modelo de quadro mental não funcionou".

Como os jornalistas na Guerra do Iraque, Hugo Gonçalves viu-se voluntariamente embedded. Mergulhou nas realidades da Cova da Moura e do social cor-de-rosa, nas escolinhas do Benfica e nas juventudes partidárias, na sexualidade nacional (a pergunta seminal: "Por que é que não há uma estrela porno em Portugal, já que quase todos os países ocidentais têm uma?") e na sua comédia, mas também na formação dos novos polícias e dos novos actores e nas vivências da religião por gente menos esperada - ou menos estereotipada.

"O país sempre me interessou e só nos podemos interessar por algo de que gostamos. Mas sim, o distanciamento permite-nos olhar para o país de outra maneira - talvez com mais maturidade", diz o autor do programa. A SIC Radical, através do director dos canais de cabo Pedro Boucherie Mendes, acolheu o projecto, que se estreia esta noite. Os nove retratos (dois ainda em filmagens) são como peças de um puzzle maior - nunca será "uma ideia completa". O objectivo: "Ver como é que Portugal evoluiu."

O primeiro documentário versa sobre as celebridades. Sobre a indústria por trás dos eventos, das "presenças", que dita o que é ou não uma socialite - "alguém sem profissão definida", como descreve apressadamente no programa a directora da revista VIP. Cada documentário começa com uma reflexão do jornalista sobre o que era para si aquele mundo enquanto crescia e o que ele é agora.

Segunda paragem: o futebol. Através das vozes de um talento dos juniores do Benfica, do histórico Nené, de um jornalista do jornal A Bola e do radialista e ídolo de infância Fernando Correia, tenta perceber a força de um desporto que antes era jogado por homens de bigode e que hoje reluz em torno de Figo e Ronaldo. E continua o périplo do século XXI português entre as auto-estradas dos fundos da União Europeia e a exclusão na Cova da Moura, por exemplo.

À laia de balanço mas ainda com dois programas por gravar, Hugo Gonçalves notou alguma "inquietude" nos portugueses com 35 anos de democracia, mas também a dependência do mediatismo e a obsessão geral pelos símbolos de status vegetativo - os plasmas, os carros, o sofá com comando na mão. Atingimos o conforto "absolutamente necessário", mas "a nossa democracia engordou" e "não há um sentimento de comunidade".

Com banda sonora de grupos emergentes, Portugal, Meu Amor distingue-se mas também faz lembrar o estilo de Louis Theroux e os seus documentários para a BBC (que a Radical já transmitiu). Câmara ao ombro, algum intimismo e realização arejada. Portugal é um bocadinho isto, mas também será muitas outras coisas.

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