A morte das histórias

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O Center for Future Storytelling acaba de nascer. Vêm aí salas de cinema virtuais

A melhor maneira de ilustrar algumas das novas tendências será o recém-criado Center for Future Storytelling, uma parceria entre o Media Laboratory do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e os Plymouth Rock Studios. Como o nome indica, é um centro para estudar o futuro das histórias contadas na televisão, no cinema, nos vídeos da Internet.

Porquê as histórias? Porque as histórias tal como as conhecemos vão morrer. Nada será como agora: teremos histórias que cruzam os mundos real e virtual, público a participar na sua criação, a Internet a servir de meio a tudo isto. Teremos personagens virtuais a cruzarem-se com personagens reais no cinema, uma TV que é holográfica, experiências com robots e câmaras de filmar que farão o que nem ainda conseguimos imaginar.

Bom, a notícia da morte das histórias tal como as conhecemos foi exagerada. Michael Bove, um dos responsáveis do Media Lab, do MIT, e do Center for Future Storytelling, responde, quando lhe perguntamos: "Afinal, por que é que as histórias estão em risco?" Não estão em risco, diz ao telefone a partir de Massachusetts. Existem há milhares de anos, fazem parte da cultura humana, e vão continuar a existir. Mais: há anos que se cruzam com a tecnologia. E é justamente dos meios para "melhorar este cruzamento" que o Center for Future Storytelling está à procura.

Não se façam muitas perguntas sobre o futuro, porque isso é o que eles não querem antecipar.

David Kirkpatrick, co-fundador dos Plymouth Rock Studios, enquadra: "Vivemos num ambiente muito diferente, na cultura do 'snack', da atenção fracturada, onde é muito difícil que as pessoas estejam quietas, vejam e leiam coisas profundas: temos os telemóveis, o computador, estamos constantemente a olhar para vários ecrãs ao mesmo tempo. É difícil estar preso a alguma coisa mais de 20 minutos, perder a máscara da nossa identidade para nos entregarmos a um livro. As histórias estarão lá sempre. Mas acho que estamos num tempo em que não veremos filmes com mais de duas horas; a distribuição das histórias poderá mudar e não apenas em ecrãs mas em 3D, imagem virtual, coisas que competem com aquilo que temos em casa. A questão é: como fazemos as pessoas sair de casa, o que as fará sair do seu mundo para outro?"

Uma das coisas que o Center for Future Storytelling está a estudar é os jogos, "onde as pessoas ficam presas durante horas, até se esquecerem de comer". Não é novidade que os jogos influenciaram os filmes, que "encontramos nos filmes subenredos, como os níveis dos jogos que estão sempre a mudar, esta coisa dos atalhos". Exemplos: "O Cavaleiro das Trevas", "O Homem-Aranha", "Harry Potter", "O Senhor dos Anéis".

O futuro passa, então, por filmes que viciam? Não, passa por "experiências de imersão", e não necessariamente "escapistas". "Os filmes fazem parte de uma experiência e para os gozar temos que imergir." Salas virtuais, com cenários em 3D são alguns dos projectos que estão a desenvolver.

Experiência é a palavra-chave para os novos tempos. E para David Kirkpatrick a "questão é como distribuímos esta experiência nas notícias, nos filmes, nos jogos, etc., como garantimos que não nos tornamos uns robots da informação".
Ou seja, o Twitter e o Facebook podem ser duas das faces mais visíveis da nossa actual hiperconectividade, mas isso não significa que o futuro passe por aí, defende Michael Bove, investigador no MIT ligado ao centro. "Há um papel para o mestre contador de histórias: como é que ligamos os contadores de histórias e as comunidades no Twitter? Como gerimos essa tensão? Como criamos ferramentas para contar histórias mais interactivas? Que tipo de tecnologia podemos desenvolver para criar, distribuir e mostrar histórias?"

Sendo assim, o foco não é a alta tecnologia que beneficiará os grandes estúdios como Hollywood, o foco é a tecnologia que beneficiará cada um de nós. "Antigamente, a tecnologia que estava disponível ao consumidor não tinha nada a ver com a tecnologia de Hollywood. Agora a maior parte dos consumidores consegue comprar uma câmara e um PC que são melhores que alguma tecnologia de há 10 anos. Dar às pessoas esta tecnologia não faz delas boas contadoras de histórias. Mas as pessoas não querem necessariamente a mesma coisa que Hollywood. As ferramentas têm que ser muito eficazes, precisam de ser mais eficientes e inteligentes, dar-lhes poder." Como? "Vamos descobrir, vamos aprender. Já estamos a fazer pesquisa nas câmaras do futuro, em ecrãs... Agora temos telemóveis que podem comunicar uns com os outros quando estão em determinados eventos - festivais, comícios, etc. - e nós precisamos de criar novas aplicações para disponibilizar de modo a que todos se possam conectar e colaborar em histórias múltiplas."

Objectivo: fazer disto experiências sociais, com marcas da ideia de comunidade.
Estaremos a entrar numa era de individualidade extrema em que as pessoas dão as suas contribuições únicas, ponto final, e não querem saber da opinião dos outros? "Não acho", diz Samuel Jones, do Demos. "Claro que há esse risco, mas temos que pensar nisto como uma conversa. É substituir o 'eu' pelo 'nós'. É por isso que acho que a cultura se vai tornar muito interessante."

Ou caminhamos para uma ideia de criação colectiva? "Sabemos que há qualquer coisa de incrível em partilhar uma experiência comum e isso nunca será substituído", diz David Kirkpatrick. "Isso dá-nos esperança, excitação, ligação entre uns e outros na tragédia e no prazer. A ritualização de uma experiência nunca será substituída. Olhe-se para os estádios e para um coliseu, onde oito mil pessoas estão a partilhar."

E lembra: quando os livros apareceram, Sócrates estava preocupado com a impressão. "Pensava que seria o fim da civilização, que acabaria com o mistério de contar histórias. Nunca pensou que haveria um Shakespeare, alguém que escrevia como um anjo."

O futuro é este: nos EUA, 61 por cento dos jovens com menos de 16 anos vêem a Internet como uma expressão criativa. "O que quer dizer que a democratização da arte e da criatividade vai continuar. Queremos fornecer tecnologia às pessoas que se querem expressar através da Internet e dos telemóveis."

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