O que tem a ilha da Páscoa a ensinar-nos

Jared Diamond, o cientista que antes tinha investigado o que leva umas sociedades a vingar e outras não, concentrou-se agora no que leva outras a entrar em colapso

O que estaria a pensar o habitante da ilha da Páscoa que cortou a última árvore? Não teria consciência de que estava a cometer uma espécie de "hara-kiri" da sua sociedade?

Esta foi a pergunta que os estudantes da Universidade da Califórnia fizeram a Jared Diamond, quando o professor de biogeografia lhes apresentou algumas das ideias que andava a trabalhar para escrever "Colapso - Ascensão e Queda das Sociedades Humanas". A queda vertiginosa da sociedade da ilha de Páscoa, mas também a da Gronelândia colonizada pelos vikings noruegueses, ou da civilização maia, entre outras, servem ao norte-americano para pintar um quadro monumental sobre a história das asneiras e dos limites ecológicos com que a humanidade se confrontou - e continua a confrontar, muitas vezes repetindo os mesmos erros obstinadamente inconscientes do passado.

O mistério da ilha com nove centenas de estátuas em pedra gigantes, viradas para terra e não para o imenso oceano Pacífico - o sítio mais próximo, as ilhas Pitcairn, ficam a 2000 quilómetros - é um objecto de fascínio a que é impossível escapar. Quando os primeiros navegadores europeus lá chegaram, em 1722, depararam-se com estas esculturas imensas, que tiveram de ser arrastadas durante longas distâncias de pedreiras no interior, para a costa. Isso exigiria uma sociedade muito integrada e organizada, com altos níveis de cooperação entre os 12 clãs da ilha, mas os habitantes que os europeus encontraram pareciam bem longe desse nível de civilização. Daí a pensar-se em deuses astronautas, que teriam erguido as esculturas gigantes, foi um salto, que o suíço Erich von Däniken deu, durante a década de 70, com grande sucesso popular mas sem fundamentação científica.

Mas a ilha da Páscoa era também um território desertificado, em que nenhuma árvore alcançava mais de três metros de altura. Os animais domésticos estavam reduzidos a galinhas, e não havia outros animais terrestres autóctones (pág. 108). Havia poucas fontes de água doce, e menos espécies de peixes que noutras ilhas do Pacífico. Nunca poderiam alimentar uma população suficiente para erguer todas aquelas estátuas. Que catástrofe se teria passado ali?

A resposta vai sendo dada por Diamond, que usa uma enorme riqueza de fontes de estudos arqueológicos, que recorrem às mais modernas técnicas de análise a remeter para as usadas nas séries de televisão tipo CSI: entre outros, pólens que ficam presos nas camadas de sedimentos no fundo dos lagos, dejectos fossilizados de humanos e animais, que revelam o que comiam - até podem mostrar que houve canibalismo, se houver indícios de proteínas humanas cozinhadas, por exemplo - e as condições ambientais da altura, se era húmido ou seco.

Para o colapso da ilha da Páscoa foi importante um ambiente excepcionalmente frágil (floresta de crescimento lento, um vento inclemente que dificultava a agricultura e o crescimento de plantas, por exemplo) e uma sociedade em que os 12 clãs que até então tinham cooperado entre si se tornam rivais, e começaram a competir entre si, cada um tentando ultrapassar o outro com estátuas mais altas - que terá feito aumentar em 25 por cento as necessidades alimentares da população da ilha, durante os 30 anos em que a construção atingiu o clímax (pág. 132). Estes factores são, muito em resumo, a explicação para o declínio da sociedade da ilha de Páscoa.

Mas Diamond apresenta muito mais exemplos, que ilustram os cinco pontos fundamentais cuja ausência ou presença contribui para explicar o sucesso ou colapso das sociedades: danos ambientais, alterações climáticas, vizinhos hostis, parceiros comerciais amistosos e, sobretudo, a resposta que cada sociedade dá aos seus problemas ambientais.O que Jared Diamond aqui faz, tal como em "Armas, Germes e Aço" (Relógio d'Água), é olhar para os homens e para as sociedades humanas como estamos mais habituados a ver os cientistas fazer com animais e plantas, para estudar habitats ecológicos. Se no livro anterior o fazia para descobrir por que é que algumas sociedades se desenvolvem mais depressa, e têm sucesso sem chegarem a um ponto de colapso fatal - comos os incas, no seu encontro com os conquistadores espanhóis, por exemplo -, neste livro o objectivo é estudar o comportamento do animal humano em situações extremas, em que o equilíbrio ecológico está seriamente em risco.

Fá-lo recorrendo a exemplos do passado. Por exemplo, o da ocupação da Gronelândia pelos colonos noruegueses, que curiosamente não comiam peixe, apesar de rodeados pelo mar, mantendo-se ligados à cultura europeia de onde provinham. As condições climáticas (aumento do frio, na chamada Pequena Idade do Gelo) terão ajudado a acabar com a colónia que ali se aguentou cinco séculos, mas não só. "A extinção dos nórdicos na Gronelândia é um caso exemplar, porque envolve grandes contributos de todos os cinco factores" que contribuem para o colapso das sociedades, escreve Diamond (pág. 260).

O arreigamento à cultura da sociedade europeia da qual eram originários, e com a qual se identificavam, recusando quaisquer semelhanças com os Inuit (esquimós), que também andavam por aquela ilha do Árctico e não hesitavam em comer carne de baleia e peixe (ao contrário dos nórdicos, que ficaram dependentes sobretudo da carne de foca), conspirou para o colapso desta sociedade. Seriam tolos, estes descendentes de vikings? Diamond foge a esse tipo de juízos: "Para eles, a sobrevivência social era tão importante como a sobrevivência histórica" (pág. 298).

Qualquer povo, sublinha Diamond, "pode cair na armadilha de sobreexplorar os recursos ambientais" (pág. 24), e tenta ilustrá-lo com exemplos actuais. O mais desenvolvido é do estado norte-americano do Montana, que o cientista usa como exemplo das modificações que vão ocorrendo, umas a seguir às outras, acumulando-se mas com uma discrição que permite aos que as vivem não terem bem noção do que se está a passar, e da gravidade dessas mudanças. Afinal de contas, a gente da ilha de Páscoa "não era particularmente má ou imprevidente. Tiveram a infelicidade de viver num dos ambientes mais frágeis e com o risco de desflorestação mais elevado de todos os povos do Pacífico" (149). O mesmo pode estar a acontecer hoje, e Diamond dá exemplos actuais.

Um exemplo é a explosão de violência no Ruanda e no Burundi em meados da década de 1990 não pode ser explicada apenas como um conflito étnico. Teve origens políticas mas também origens demográficas, diz. Em 1990, eram dos países do mundo com maior densidade populacional: "Em 1990, a densidade populacional do Ruanda era de 290 habitantes por quilómetro quadrado, superior à do Reino Unido (240 por Km2) e aproximando-se da da Holanda (370 por Km2)" (pág. 382).

Diamond apresenta também exemplos de sociedades que, face a uma crise potencialmente fatal, conseguiram resolvê-la, com acções que começam a nível da população ou que vêm de cima, a partir dos governantes. A República Dominicana e o seu governante (não muito democrático) Joaquín Balaguer, a ilha de Tikopia, no sudoeste do Pacífico, onde a população tem sido mantida em dimensões constantes ao longo da história (por vezes até com recurso ao infanticídio) ou a gestão florestal da era Tokugawa no Japão (1603-1867) são alguns desses exemplos.Toda esta monumental análise pretende apresentar estudos de caso de sociedades que tiveram sucesso ou fracassaram na gestão de crises potencialmente fatais. Que podem ter origem ambiental, mas isso não quer dizer que estejam condenadas à partida - tudo depende das decisões que cidadãos e governantes tomarem. No fundo, o que quer é mostrar-nos o que pode levar "as sociedades a autodestruírem-se, a tomarem decisões desastrosas" (pág. 489).

Com o objectivo confesso de ajudar a evitar que um dia alguém reviva o momento do ilhéu de Páscoa que cortou a última árvore, certamente quase sem pensar no significado desse momento. "Os paralelismos que se estabelecem entre a ilha de Páscoa e o mundo moderno são assustadoramente evidentes. Graças à globalização (...), todos os países da Terra partilham hoje recursos e afectam-se uns aos outros da mesma forma que os 12 clãs da ilha. "Estavam tão isolados no Pacífico como a Terra está no espaço" (pág. 151).

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