Ainda a beleza americana

Winslet e DiCaprio amam-se, traem-se, riem, choram, tocam-se, agridem-se - a gama toda.

Era tido como um potencialcandidato a "estrela" da próximacerimónia de entrega dos Óscares,mas agora que saíram as nomeações ese verificou que eram apenas três essefavoritismo esfriou um pouco. O queaté nos dá jeito, pois assim talvez sejapossível falar de "RevolutionaryRoad" em tom pouco entusiasmadosem incorrer na fúria do leitor. Jáagora, e não voltaremos a falar deÓscares, até gostávamos de dizer queuma das nomeações (a de melhoractor em papel secundário) éabsolutamente justa: MichaelShannon, que vimos comoprotagonista do "Bug"de William Friedkin (enum pequeno papelno "Antes que o DiaboSaiba que Morreste"de Sidney Lumet) eaqui reencontramos na pele dovizinho psicologicamente"desarranjado" do casal Wheeler, éuma presença espantosa, capaz deroubar todas as cenas em que entraao "duo maravilha" Kate Winslet/Leonardo DiCaprio.

Parece que estamos a dizer maldeles (de Winslet e DiCaprio) masnem estamos. Com Shannon, eles sãoa melhor coisa do filme. De resto, énormal que os actores sejam o melhordos filmes de Sam Mendes, realizadorque ainda à boleia do sucesso de"Beleza Americana" nos parececontinuar a ser sobrevalorizado("Beleza Americana" tinha a sua graçamas "Road to Perdition" era ummuseu de cera rígido, e "Jarhead"limitava-se, sem muito tino, a atirar obarro à parede).

Em "Revolutionary Road", queadapta o romance de Richard Yates[ver texto nas páginas de crítica delivros], eles são o centro de tudo, omarido e a mulher protagonistasdesta crónica da desintegração de ummatrimónio, precipitada pelo peso epelas expectativas, tão promissorascomo convencionais, de algo quepoderá ser descrito como estandoentre o "sonho americano" e o"american way of life" (estávamos nosanos 50, a euforia do pós-guerra). Emtodo o caso, e voltando a insistir emShannon, a mais perfeita expressãodeste sentimento (a carga opressivadas expectativas associadas ao "wayof life" americano) surge nas cenascom a sua personagem, plena deamargura resignada e violênciamelancólica, como um fantasma queassombra Winslet e DiCaprio, ou aimagem que os reflecte num espelhoescuro e deformador.

Mas Winslet e DiCaprio, sim. Ofilme é deles do princípio ao fim,saem-se bem e Sam Mendes,trabalhando muitas cenas como se odécor fosse um palco teatral, faz opossível para que se torne evidenteque eles se saem bem. Amam-se,traem-se, riem, choram, tocam-se,agridem-se - correm a gama toda, nofuturo "Revolutionary Road" poderáservir-lhes de portfólio quando forpreciso mostrar o que são capazes defazer. Ora se isto é assim, e se osactores são tão bons, de onde vem opouco entusiasmo? Diríamos que dofacto de o "programa" de SamMendes não ir muito para além disto -uma boa cauçãocompetentementeilustrada (o romance)e o brilhantismo dosactores tomado como"nec plus ultra".

Tudo muito limpo, tudo muito nítido, com osexcessos e os desequilíbrios semprecuidadosamente aparados (Mendesnão é Cassavetes, e Kate Winslettambém não é Gena Rowlands),arranca-nos uma admiração fria e, nofim de contas, progressivamentedesinteressada.

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