Adeus às armas

Philip Roth (n. 1933) já terá dito que "O Fantasma Sai de Cena" (editado originalmente em 2007) era a despedida de Nathan Zuckerman, personagem (e narrador) presente em uma dezena de livros do autor norte-americano nas últimas três décadas. Talvez seja. Zuckerman está ausente do último romance de Roth, "Indignation" (2008), e no romance agora publicado em português já não está muito bem de saúde. Quanto a Roth - que com a sua criatura ficcional, o seu "fantasma", partilha a idade, a condição de escritor, a ascendência judia e certamente muitas outras qualidades que só aos biógrafos poderão interessar - não sabemos. Personagens (não se trata apenas de Zuckerman), motivos e temas são retomados em "O Fantasma Sai de Cena". Não haverá surpresas para os leitores habituais de Roth.

A acção do livro decorre em Nova Iorque, ao longo de sensivelmente uma semana, pelo final de Outubro e início de Novembro de 2004. Quando o inenarrável Bush júnior obteve a sua segunda e surpreendente (para algumas personagens) vitória eleitoral. O escritor Zuckerman, que há onze anos se refugiara numa casa isolada no interior do Massachusetts para fugir tanto às distracções mundanas quanto a umas ameças anónimas, está de regresso à cidade. Mas não por boas razões. Foi operado a um cancro na próstata, ficou incontinente. Vem apenas à procura de uma solução médica: "Ter o domínio da sua própria bexiga - que homem robusto e saudável pensa alguma vez na liberdade que isso dá ou na vulnerabilidade ansiosa que a sua perda pode impor memo ao mais confiante de todos? [...] Como se não fosse a sombra omnipresente da humilhação aquilo que efectivamente nos 'vincula' a todas as outras pessoas." Os seus antigos amigos e conhecidos ou morreram ou saíram também da cidade e Zuckerman sente-se "como Rip Van Winkle [personagem de um conto do escritor oitocentista Washington Irving] quando, ao cabo de vinte anos a dormir, desceu das montanhas e voltou para a sua aldeia convencido de que só tinha passado uma noite fora". Ao jantar, solitário, folheia a "New York Review of Books", a secção de anúncios. Um ainda jovem casal de escritores quer trocar temporariamente o seu apartamento citadino por um "retiro rural" não muito longe de Nova Iorque. Zuckerman decide responder (o tratamento médico obrigá-lo-ia a algumas viagens à cidade). E a partir daqui as artimanhas da cidade (tudo aquilo de que ele se julgara definitivamente liberto) voltam a enredá-lo.

Roth dedicar-se-á, então, a temas que nele têm sido recorrentes: o jogo irónico (e por vezes sarcástico) entre o 'real autobiográfico' e a ficção, o sexo, o desejo e as suas servidões, a decadência física e a morte (Amy Bellette, outra personagem já conhecida dos mais fiéis de Roth, admirada na juventude por Zuckerman, está agora a morrer com um cancro no cérebro). Veremos, portanto, um Zuckerman de 71 anos, impotente, e que além de ter perdido o controlo da bexiga ("um homem de fraldas") vai perdendo a memória, pateticamente fixado numa mulher quarenta anos mais nova (obsessão e desejo como que exorcizados numa série de "cenas" dialogadas que ele vai intercalando). E veremos um Zuckerman apostado em impedir que um jovem e agressivo "jornalista independente" e "cultural" alcance os seus quinze minutos de fama à custa da revelação de um "segredo" (de natureza sexual, evidentemente) sobre a vida do já desaparecido e muito esquecido E. I. Lonoff (mais um autor fictício e recorrente em Roth). Um Lonoff que passou toda a vida longe da ribalta, vivendo discretamente no campo, e que é um dos heróis literários de Zuckerman. Pelo meio há um extenso e terno (mas metido um tanto a despropósito no romance) elogio fúnebre de George Plimpton (1927-2003), o cavalheiro jornalista, e escritor, que criou e sustentou "The Paris Review".

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