Tribunal de Mirandela não leva a julgamento médica e enfermeira suspeitas de negligência em parto

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No dia do nascimento, a médica ter-se-à ausentado no decurso do parto para ir comer Luis Efigénio (arquivo)

O Tribunal de Mirandela anunciou hoje que a obstetra e a enfermeira envolvidas no parto de um bebé que nasceu com lesões irreversíveis em 2003 não vão ser levadas em julgamento.

O caso remonta a Fevereiro de 2003, à maternidade de Mirandela, quando nasceu Gonçalo, um parto que se viria a revelar polémico. No dia do nascimento, estava apenas uma médica obstetra na unidade, que se terá ausentado no decurso do parto para ir comer. O bebé acabou por nascer com paralisia cerebral e incapacidade de 95 por cento. Pouco tempo depois a Inspecção-Geral de Saúde decidiu suspender por 90 dias a médica.

Este caso seria utilizado como exemplo pelo então ministro da Saúde Correia de Campos para determinar o encerramento da maternidade.

Hoje, o tribunal local decidiu não levar a julgamento a obstetra e a enfermeira envolvidas no parto. Em relação à obstetra, o juiz afastou qualquer possibilidade de acusação por omissão ou acção dolosa, decidindo pela sua não pronúncia, já que não existem indícios criminais que justificassem um julgamento. Em relação à enfermeira, António Pereira explicou que esta não será pronunciada por ter entendido que a profissional violou o dever objectivo de cuidado.

O tribunal concluiu que não existem provas para que em julgamento seja possível fazer um juízo sobre o nexo de causalidade da sua conduta e das consequências para o recém-nascido.

O juiz explicou que, citando pareceres de especialistas, as circunstâncias deste parto e as contracções da mãe requeriam outro tipo de actuação, nomeadamente a redução de um medicamento que estava a ser administrado, a Oxitocina. A regularidade cardíaca do feto indicaria também que a situação não seria normal como entendeu a enfermeira, pelo que seria sua responsabilidade alertar a médica para a situação.

Porém, os mesmos especialistas concluíram que as consequências para a criança são desproporcionais a estes episódios, pelo que apesar de provável, não ficou claro o nexo de causalidade.

As duas mulheres não irão a julgamento com base nestes argumentos, mas o juiz de instrução António Pereira dirigiu uma advertência às duas mulheres, bem como aos responsáveis e gestores da saúde. "Um médico tem a obrigação profissional de deixar de comer, se for necessário, para salvar vidas", começou por sustentar o magistrado, que considerou mais censurável que a ausência da obstetra para ir jantar a postura dos responsáveis na unidade que permitem este tipo de procedimentos. "Fala-se da vida de uma forma banal. Estou a referir-me às pessoas que gerem aquele hospital", reforçou o juiz.

Apesar de assumir a decisão de não levar as duas mulheres a julgamento, o magistrado incentivou os pais da criança, actualmente com cinco anos, a recorrerem da decisão que proferiu, a pedirem uma indemnização e a processarem o Estado por entender que "muita gente lida com a saúde sem lhe dar a importância que ela tem".

No final da sessão, os pais de Gonçalo, Isabel Bragada e Mário Damasceno, afirmaram que vão prosseguir com o caso nos tribunais, recorrendo da decisão de hoje para a Relação do Porto, e que vai ser pedida uma indemnização ao Estado e uma pensão vitalícia para o filho.

O advogado da médica, António Lourenço, considerou que a decisão se junta a outras no mesmo sentido, nomeadamente ao processo já anteriormente arquivado pelo Ministério Público e pela Ordem dos Médicos. O causídico observou ainda que, apesar da decisão da inspecção estar ainda em recurso no Tribunal Administrativo de Mirandela, o comportamento da médica foi considerado "exemplar" ao nível das práticas médicas e não foi estabelecido um nexo de causalidade entre a ausência por que foi punida e as lesões da criança.

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