You're Not Human Tonight

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Isto é coisa para confundir mentes já de si perturbadas e para angustiar pessoal com a sua geografia musical bem definida. Isto são os Great Lesbian Show, eles de "On The Way to Fátima", e o seu novo álbum, "You're Not Human Tonight". Banda bissexta (este é o segundo álbum desde o nascimento, em 1992), mas que vem construindo percurso regular desde 2004, data da edição da estreia, "Psykitsch Kaleidoscope", mantém-se fiel ao seu próprio espírito: espírito diversificado e tresloucado, espírito animado de cruzamentos pop e predilecção por desvios e marginalidades avulsas. Vejamos.

Diálogos de filmes porno de 1970 servem de abertura a pedaços de “"funk banda desenhada", à B-52's, onde se homenageiam "picachus" e "pokemons" ("The tall neck of a giraffe"). Psychobilly para filmes sci-fi cruza-se com vozes de desenho animado desesperado e com dança para apreciadores dos Pop Group ("A safe guide to suicide"). Depois, há canções conceito como "Tokyo, Copacabana" (distorção noise, balanço bossa e os dois em conjunto) e ouvem-se em "Pinga a pipa" jogos fonéticos que estabelecem ligação directa aos delírios criativos da geração de Campo de Ourique, essa encabeçada pelos Pop Dell'Arte por onde passou Ondina Pires, a vocalista dos Great Lesbian Show. "You're Not Human Tonight" são os Great Lesbian às voltas com coordenadas estéticas e geográficas, "flirtando" com o ouvinte em jogos de humor e perversidade. Fazem-no num caleidoscópio onde cabem as experiências de Spike Jones, "garage" Nuggets ou jazz de cinema negro (mais a ideia que a reprodução); onde se canta em português, francês, inglês ou, em "Mensagem de Barzabu", uma língua indecifrável mas decididamente diabólica (é a mensagem satânica invertida para acabar com as mensagens satânicas invertidas). Por vezes, o rodopio é tanto que perdemos a concentração e pedimos um palco que ofereça maior coerência a este delírio visual sem imagens. Porém, quando tal ameaça acontecer, há sempre algo que nos volta a prender a atenção. Algo como "O lavrador d'almas", a melhor canção do álbum, onde a melodia de uma canção tradicional portuguesa (imaginamo-la minhota) se casa, de forma admirável e excitante, com o mistério de reverberações eléctricas e ritmos do bom e profano rock'n'roll.

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