Momofuku

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De muitos em muitos anos acontece isto: o vento sopra para o lado mais agreste dos ouvidos e Elvis Costello atira-se ao estúdio com urgência e grava uma dezena de canções clássicas mas suficientemente mal aparadas para nos fazer crer que continua tresmalhado, buliçoso e inquieto.

Depois do "flirt" incial com a newwave de finais de 70 e do culminar pop-lapidar que se lhe seguiu, entregou-se a discos excessivos, barrocos, intrincados e espinhosos de ouvir: havia ali grandes canções destroçadas pela ânsia em mostrar trabalho e conhecimento. Sobrevinha então a costela "nerd" de Costello, de conhecedor de toda a música popular do século XX. Foi preciso esperar até 1994 para, com "Brutal Youth" (objecto pejado de grandes canções), ele voltar à simplicidade de meia mão de acordes, meia bola e muita força. A partir daí acertou quando foi conceptual (como "Brutal Youth" já o era), mas nunca se sentiu a mesma ansiedade por atirar cá para fora o primeiro conjunto de sons que lhe surgia à guitarra - e isto não tirando nenhum mérito a "Painted From Memory" (1998, com Burt Bacharach) ou a "North" (2003). "Momofuku" soa aos primeiros discos nesse movimento de se atirar a eito ao pescoço e morder, mesmo quando se mergulha uma canção numa infusão de "beatlismo", como em "Mr Feathers" - óptima canção com piano quebrado, melodia dolente e melódica a intersectar a figura de guitarra acústica. O melhor exemplo das vantagens dessa escrita a martelo está em "Stella Hurt": entra com riff grosso de guitarra, piano martelado nos graves, órgão a estrebuchar. E a canção vai, até ao fim, alternar os ganchos e continuar a correr para a meta de chegada o mais depressa que pode. Aliás, o disco entra assim: "No hiding place" é matéria de guitarras, bateria marcada e, depois, refrão a fazer ponte entre a melodia britânica e o country, com órgãos e guitarra slide e coros a surgirem na esquina de um verso. O tom "americano" regressa em "Pardon me, madam, my name is Eve", canção "cool", em velocidade mais parcimoniosa, com guitarras country e órgãos delicados a sobreporem-se a guitarras a traço grosso. Algures entre o Reino Unido e o campo norte-americano, Costello põe melodias a adociçar as guitarras que rockam com bastante roll. Nada mau.

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