Defesa do cozinheiro infectado não contestou formas de transmissão do HIV

Foto
A entidade empregadora considerou haver caducidade do contrato de trabalho Miguel Silva/PÚBLICO (arquivo)

“O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão tendo por base os factos provados vindos do Tribunal de Trabalho de Lisboa que foram aceites, sem recurso, nesta parte”, lê-se no comunicado. O advogado do trabalhador não comenta. No acórdão lê-se que a defesa alegou que o trabalhador “embora seja portador de HIV, apresenta uma carga viral indetectável o que torna praticamente impossível o risco de contágio”

A questão foi levantada por uma notícia do PÚBLICO (19/11) onde se revelava que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão do tribunal do trabalho dando como facto provado que, se o trabalhador seropositivo continuasse a exercer as suas funções na cozinha do hotel, representaria “um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante” por ter HIV e poder transmiti-lo aos clientes das formas referidas. Vários médicos contactados pelo PÚBLICO consideraram os argumentos cientificamente incorrectos e o risco de transmissão remoto.

Na nota enviada à comunicação social o CSM esclareceu ainda que o trabalhador “não foi objecto de despedimento com justa causa”, antes a entidade empregadora considerou a existência “de caducidade do contrato de trabalho”. O PÚBLICO escreveu que o cozinheiro foi despedido, nunca referindo ter sido por justa causa já que o hotel disse desconhecer a condição de saúde do trabalhador. A caducidade do contrato assentou no facto de o trabalhador ter sido considerado “inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro, não podendo manipular alimentos”, definiu o médico do trabalho.

Juridicamente o trabalhador foi mandado embora por caducidade do contrato de trabalho. Ou seja, o tribunal considerou legítimo que o hotel tivesse posto fim ao contrato “por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”, uma forma jurídica que, ao contrário do despedimento, não dá qualquer direito de indemnização ao trabalhador, referiu ao PÚBLICO um especialista de direito do trabalho.

O CSM refere que não foram juntos ao processo pareceres científicos, mas que no caso do Tribunal do Trabalho de Lisboa, foi junta “uma cópia de páginas de um site do Governo dos Estados Unidos da América destinado a informação genérica à população sobre doenças transmissíveis”. As cópias em causa são da agência governamental responsável pelo controlo e prevenção da doença (Centers for Disease Control and Prevention), onde se lê que as vias de contágio conhecidas são apenas as relações sexuais não protegidas, a via endovenosa ou por via materno-fetal. O facto de o vírus também poder ser encontrado em lágrimas, suor e saliva é considerado irrelevante em termos de risco de contágio.

O CSM refere que a notícia aludiu à existência de dois pareceres científicos que não foram juntos ao processo. Apenas foi junto um parecer jurídico, do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, que não foi admitido por ter entrado fora do tempo. O outro parecer a que o PÚBLICO se refere é da professora de direito da Saúde, Paula Lobato de Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa onde se lê que “o perigo de um portador de HIV em contacto com alimentos transmitidos por este vírus não é relevante em termos epidemiológicos e como tal não é uma premissa cientificamente correcta, pelo que não pode ser alegada juridicamente”. Fonte ligada ao processo garante que o parecer faz parte dos documentos entregues no Tribunal da Relação.

O cozinheiro recorreu entretanto da decisão da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.

A situação envolve um cozinheiro do quadro do hotel do Grupo Sana Hotels que lá trabalhou durante sete anos. Em 2002 adoeceu com tuberculose, esteve um ano de baixa e quando regressou ao trabalho foi mandado ao médico do trabalho do hotel que pediu ao seu médico assistente mais dados sobre a situação clínica. Este informou o colega da medicina do trabalho que o cozinheiro era HIV positivo, mas que não representava qualquer perigo para os colegas e poderia retomar a sua actividade em pleno. Pouco tempo depois o trabalhador foi dispensado.

O hotel Sana negou sempre ter tido conhecimento de que o cozinheiro era portador de HIV antes do julgamento e diz que não foi informado pelo médico do trabalho da sua condição. O hotel defendeu ainda que o cozinheiro devia ter informado “imediatamente que é portador de HIV”, o que não aconteceu, o que segundo o grupo terá “violado o dever de lealdade”.

Sugerir correcção
Comentar