A vida interior

Praticamente dez anos depois de "Lulu on the Bridge" e da co-autoria (com Wayne Wang) de "Smoke" e "Blue in the Face", Paul Auster volta a fazer as vezes de realizador de cinema. Filmando, naturalmente, uma história sua: um escritor (o inglês David Thewlis), em isolamento voluntário para ganhar fôlego entre dois romances, vê a desejada pacatez ser assaltada por manifestações de uma "vida interior" que revela possuir inusitada capacidade para se projectar no "exterior".

Concretamente, sai ao caminho do nosso homem uma "musa" (a suíça Irène Jacob, ex-kieslowskiana) de natureza misteriosa e inexplicada. "A Vida Interior de Martin Frost" é uma fantasia romântica sobre a criação literária enquanto processo de confluência de mundos reais e mundos mentais, um pouco como um filme de Raul Ruiz mais austero na invenção de labirintos e mais (muito mais) parcimonioso no uso de bagagem referencial.

Uma bonomia consciente da sua irrelevância é só o que parcialmente o redime, porque "A Vida Interior de Martin Frost" é bastante fraco - "mise-en-scène" banalíssima (e com uma moleza de telefilme), personagens sem força nem presença ( justamente o que Auster melhor conseguira em "Lulu on the Bridge"), uma inconsequência resolvida a golpes de desesperada irrisão (a meia-hora final, a partir da chegada de Michael Imperioli). Nem o texto nem os diálogos, nem sequer a narração "off" (bastante convencionalmente empregue) conseguem redimensionar seja o que for. Não será por isto que nos lembraremos de Paul Auster e, como dizia a crítica Manola Dargis no "New York Times"(ao que parece para grande irritação do escritor), "quanto menos se falar deste filme melhor".

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