Pintar ou Fazer Amor

Não, não estamos a falar do clássico musical de Fred Astaire e Ginger Rogers, realizado por George Stevens, em 1936, com partitura de Gershwin; trata-se de um outro conceito de "swing", o da troca de casais, numa patética comédia romântica francesa, ambientada nas montanhas do Vercors, em torno de uma vaga vertente ecológica e com o decorativismo da paisagem a servir de chamariz.

O termo patético que empregámos deve-se à facilidade do tratamento do tema e ao recurso a uma personagem cega, Adam, presidente de uma "junta de freguesia", culto e refinado (Sergi Lopez, em piloto automático), que com a mulher Eva se envolve com outro casal, ela pintora amadora (pobre Sabine Azéma, a milhas-luz do mundo de Resnais), ele (Daniel Auteuil, em registo sonâmbulo) meteorologista na reforma.

Quando falamos de profissões ou actividades, tal se deve ao facto de as personagens se reduzirem a tipos esvaziados de conteúdo, apenas destinados aos jogos de troca de amores e a superficiais jantares e convívios, mais ou menos estereotipados.

Não há em "Pintar ou Fazer Amor" nunca mais do que esboço de conflito dramático, apesar de as peripécias se sucederem a grande "velocidade", desde os remorsos pelas "traições", a um incêndio na casa do cego (claro, está-se mesmo a ver, contingências de quem não vê), culminando num casamento liberal da filha do casal principal com um hirsuto brasileiro, mais estereotipado ainda que tudo o resto.

Pelo caminho, não faltam as referências aos paraísos perdidos da Polinésia francesa, com conveniente e descabida inserção (folclórica, diga-se) da canção de Jacques Brel "Les Marquises", usada para fins eco-turísticos e de libertações sexuais. E, quando julgamos que já não há mais nada para "surpreender", aparece mais um casal de "swingers", para reinstituir a moralidade: o casal inicial decide não partir para as ilhas paradisíacas, a fim de constituir o "quarteto ideal", e ficar juntinho, uma vez reencontrado o equilíbrio necessário para romper o tédio.

Nada haveria de muito grave neste exercício de "modernice", sem qualquer aprofundamento das questões essenciais, se o filme tivesse "cinema", soluções visuais interessantes para as circunstâncias dramáticas. O que se passa, porém, é que tudo gira em volta de episódios descosidos, sem unidade nem objectivos claros, ao sabor de uma improvisação monótona e chata.

A moral de que um casamento de 30 anos, desgastado pela repetição dos mesmos gestos e pela frequência dos mesmos amigos, se resolve pelo picante de uma troca de pares esgotase na acumulação de lugarescomuns, a ritmo de caracol.

A desinibição aparente e a perda do cristão sentido de culpa esbarram na total falta de imaginação dos irmãos Larrieu, repetindo fórmulas exaustas do melodrama familiar, tintadas de pobrezinha comédia de costumes.

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