Heróis em queda

Sam Raimi tinha conseguido conferir às duas anteriores incursões pela saga do Homem Aranha uma notável consciência gráfica, um ritmo cinematográfico adequado à transposição dos "comics" para o ecrã. Até a escolha da fragilidade de Tobey McGuire funcionava na perfeição, pela dimensão humana que transparecia sempre do superherói, comovente e vulnerável, ligado a uma forte inscrição familiar, rara em "blockbusters" deste tipo. Talvez por isso, a segunda sequela é uma imensa desilusão: esvaziada de lógica narrativa, dispersa por histórias demasiado segmentadas, que não colam umas com as outras.

"O Homem Aranha III" esgota-se na sobreposição de efeitos especiais, na pirotecnia de saltos, explosões e teias de aranha, suspensas de tudoquanto é cenário, sem conceder ao pobre espectador o tempo mínimo para seguir a acção.

A personagem de James Franco, o amigo dividido entre a vingança pela morte do pai e a fidelidade a umaamizade antiga, nunca ultrapassa a caricatura, mesmo quando, no final, se sacrifica. A aparição do lado"negro" da aranha, espécie de "alien" vindo não se sabe de onde, complica o desenrolar da narrativa eimpossibilita a simples oposição entre Bem e Mal típica deste tipo de aventura. A inscrição da história de amor, com Kirsten Dunst a acrescentar um dispensável contributo musical, nunca chega a ter espessura. Pior que tudo, a configuração melodramática do vilão que matou o tio do herói pormedo, quando pretendia arranjar dinheiro para salvar a filha "aleijada", tendo sido transformado em monstro das areias de silicone, parece vir de outro filme, de tal maneira se constitui em excurso de um confronto entre inesperadas e mal desenvolvidas instâncias.

Por tudo isto, se se dá o reconhecimento das figuras, nunca existe adesão ao herói que acaba por se desdobrar em peripécias inconsequentes, com um final inconclusivo e inoperante. Até os mecanismos de suspensão, como a longa sequência do táxi, pendurado dos fios da teia, a cair progressivamente, resultam longos e ineficazes. Não há emoção, apenasestrilho e confusão total, como se o argumento apontasse para vários filmes, tendo a concentraçãoexcessiva de fios narrativos o efeito de anular cada um deles num amálgama sem tom nem som. Salvam-se um trabalho sonoro cuidado e pormenores de encenação do espaço urbano, embora sem a intensidade atingida nos filmes anteriores. Sam Raimi em automático piloto industrial falha redondamente: "O Homem Aranha III" fica-se pela evidência e pela oferta primária de um objecto informe, para consumo acrítico dos fãs incondicionais. Mais nada.

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