Olhos de Mongol

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Situação estranha, a dos Linda Martini. Antes da edição deste primeiro álbum, já circulavam na internet (o meio que os fez saltar etapas no processo habitual de afirmação de uma banda) em blogues, fóruns e no MySpace do grupo comentários expectantes, excitados e/ou receosos. A divulgação dos quatro temas de uma maquete (recuperados depois num EP homónimo) via MySpace originou esta situação invulgar de esperar do primeiro álbum do quinteto de Queluz mais do que o de uma outra qualquer banda estreante – e eles também o são, convém não esquecer. E o que temos em “Olhos de Mongol”? Um disco que não desilude e que abre novos caminhos no som do grupo.

O pós-rock já não é prato quase único, mesmo que os temas continuem a viver dos contrastes e das dinâmicas entre opostos. Atente-se em "Cronófago", que abre o disco: é o tema mais directo que o grupo já fez, 2 minutos e 40 segundos de rock escola Sonic Youth (guitarras a gemerem em "feedback", bateria e baixo propulsivos com acelerações bruscas sacadas ao hardcore). Mas a maior surpresa é mesmo "Partir para ficar", que põe a segunda parte de "FMI" de José Mário Branco a dialogar com guitarras planantes e uma harmónica perdida – o instrumental encaixa com o discurso desencantado, como se banda e José Mário Branco se tivessem encontrado para a fazer. Aplauda-se a coragem de pegar num texto com tanto peso e o mérito de o reapresentar sem o manchar. "Olhos de Mongol" vai revelando minudências que não existiam no EP. Os temas são mais complexos, há mais espaço livre para as guitarras deambularem e o lado rock passa a estar mais concentrado em alguns temas e não em todos. "Dá-me a tua melhor faca" é um exemplo dessa evolução: arranca abrindo espaços dentro de um crescendo. Mais à frente, há uma secção de guitarras cristalinas, xilofone e uma frase ("Dá-me a tua melhor faca para cortarmos isto em dois e amanhã esquecer") e novo crescendo, com as guitarras ora gémeas, ora a seguir caminhos próprios. "A Severa", a fechar o disco, é também pródiga em diferentes secções – depois de um "riff" aguerrido surge uma espécie de faduncho eléctrico que abre caminho para um final catártico (muito por culpa de Hélio Morais, um dos mais pujantes bateristas a operar no rock português). Sosseguem os ansiosos: "Olhos de Mongol" afirma os Linda Martini como um caso sério de talento. Já não são uma promessa do rock feito neste país – são uma certeza.

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