Centro Manuel de Brito abre com depósito de 300 obras

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A primeira exposição mostra 100 trabalhos, dos anos 1930 à actualidade Pedro Cunha/PÚBLICO

Não se cumpre exactamente o sonho de Manuel de Brito - que sempre quis ver a sua colecção instalada no Campo Grande, perto do público universitário -, mas assume-se o compromisso que o próprio aceitou nos últimos tempos de vida.

Um ano depois da morte do galerista, o Centro de Arte Manuel de Brito é hoje inaugurado no Palácio dos Anjos, em Algés, ocupando a antiga casa de Verão de Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos. O edifício oitocentista, rodeado por um jardim, foi recuperado e ampliado pela Câmara de Oeiras, que investiu nas obras cerca de 3,2 milhões de euros, incluindo a construção de um anexo contemporâneo nas traseiras e espaço subterrâneo de reservas.

O protocolo assinado anteontem pela família de Manuel de Brito prevê o depósito neste espaço de 267 obras de arte por onze anos - é uma pequena parte das cerca de duas mil obras que compõem a totalidade do espólio reunido pelo galerista ao longo de 40 anos.

O núcleo abrangido pelo protocolo deverá ir sendo renovado e ampliado com novas aquisições, sobretudo de nomes surgidos nas décadas mais recentes e ainda não representados na colecção, diz Rui de Brito, que sucede ao pai à frente da conhecida Galeria 111 e que fica com a mãe, Arlete de Brito, a gerir a colecção no centro.

Na primeira exposição - a inauguração é às 18h30, com a visita de Maria Cavaco Silva -, mostram-se cerca de 100 pinturas e esculturas, escolhas dos dois herdeiros que vão acompanhando a história da arte portuguesa do século XX.

No protocolo de cedência estão trabalhos tão recuados e importantes como Gato Félix (1929), de Almada Negreiros (ver texto ao lado), mas, na primeira exposição do centro - e que é também a primeira grande mostra dedicada à colecção desde que foi apresentada no Museu do Chiado em 1994 -, o enfoque é dado às décadas e tendências mais significativamente representadas na colecção.

O óleo sobre tela Amor (1935), de Mário Eloy, é a obra mais antiga exposta. O surrealismo está representando por trabalhos de Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Vespeira, António Pedro e António Dacosta. Dos anos 60 e 70, há obras de Vieira da Silva (duas telas: Le jardin, de 1960, e Les cent pas, de 1965), Ângelo de Sousa (o conhecido Catálogo de algumas formas ao encontro de todas as mãos), António Palolo, Joaquim Bravo, José Escada, Lourdes Castro e René Bértholo (pintura, mas também uma das suas "máquinas" dos anos 70). Entre os artistas dos anos 80 em diante, incluem-se obras pontuais de Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Sanches, Rui Chafes, Fátima Mendonça, Joana Vasconcelos e João Pedro Vale.

Nomes como Júlio Pomar, Paula Rego, Graça Morais, com quem Manuel de Brito desenvolveu longas relações de amizade, estão representados na exposição e constituem dos núcleos mais significativos de obras elencadas no protocolo, que inclui 24 trabalhos assinados por Pomar e 15 por Paula Rego, de quem se mostra a grande tela Carmen, da série Óperas, uma referência do início dos anos 80.

António Dacosta, Menez, Jorge Martins e António Palolo assinam alguns dos outros núcleos importantes, a que se juntam dois óleos de 1914-15 de Amadeo de Souza-Cardoso (O pobre louco e Composição) e trabalhos de referência de artistas como Nikias Skapinakis (Circo da Luz, 1965).

A historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, que estava à frente do Museu do Chiado em 1994, diz que o sentido museológico com que o galerista sempre comprou arte "permite com uma representatividade muito elevada mostrar alguns dos principais artistas e tendências da arte do século XX". Com o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian sem a sua colecção exposta, "infelizmente não há em Lisboa nem no país outro sítio onde se possa ver uma síntese do século XX português", diz a historiadora. E acrescenta que é importante que a colecção venha a ser reforçada, mas "como já existe é absolutamente extraordinária".

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