Tantos casamentos, tantos funerais!

José Fonseca e Costa tem um lugar único no cinema português: assina "O Recado" (1971), retrato complexo do final do marcelismo, e envereda, depois de "Kilas, o Mau da Fita" (1980), grande sucesso de bilheteira, por um caminho que procura conciliar o "filme de autor" com uma vertente mais comercial, destinada a públicos alargados. Exemplo perfeito deste esforço de construir argumentos sólidos, com a caução de obras literárias de prestígio, surge "Sem Sombra de Pecado" (1982), o seu melhor filme até hoje, olhar transverso sobre a puritana pequenez do "fascismo" nacional, transpondo, com extremo bom gosto, uma novela de David Mourão-Ferreira e contando com a presença inesquecível de Victoria Abril. Seguiu-se-lhe "A Balada da Praia dos Cães" (1986), adaptado o romance de José Cardoso Pires, demonstrando, de novo, excelente direcção de actores, com Raul Solnado, magnífico fora do seu registo cómico habitual.

Tratava-se de um cinema de linear narratividade, mas dignamente produzido, capaz de ombrear, sem complexos, com a produção média europeia da época, uma terceira via para conquistar públicos novos, sem grandes cedências de "qualidade". Tal coerência, que passa também pelo falhado "O Fascínio", história fantástica, ambientada no período da Guerra Civil Espanhola, conduz-nos a "Viúva Rica Solteira Não Fica", um exercício bem executado sobre o imaginário camiliano, com "filhas de brasileiro", padres cúpidos, homens ambiciosos e mulheres vingadoras.

Tudo neste filme medido afina pelo mesmo diapasão da obra anterior de Fonseca e Costa: cuidada direcção de actores, sentido exacto dos limites de meios de produção, reconstrução de um século XIX quase abstracto de tão tipificado, ritmo romanesco, que acompanha os casamentos da viúva rica do título, enterrando sucessivamente, a golpes de pó de vidro, os maridos cobiçosos dos bens e do estatuto de esposos, como se as novelas de Camilo se cruzassem, de forma exemplar, com moderna visão de um qualquer "policial" de época.

Até aqui tudo bem. O prólogo com as primeiras mortes, do marido tuberculoso e do pai, chefe de clã, e com os dois médicos a declararem simultâneos óbitos, instaura um clima apropriado de "comédia negra", Depois, o cortejo de pretendentes e o estatuto de "viúva negra" a decorrer, de forma estruturada, de uma coligação feminina, proveniente de traições seculares. Tudo claro, limpo, simples e eficaz. Não se aspira a muito mais do que ao acto de contar uma fábula estereotipada com laivos de farsa matrimonial. O problema principal reside na gestão do tempo: o que começara por apostar na surpresa irrisória da acumulação de coincidências significativas acaba por entrar num repetitivo tom de círculo vicioso, sem novidades, nem grande tensão dramática. Habituamo-nos à rábula, começamos a sentir o peso do tempo e a narrativa escorrega para uma espécie de "seriado" televisivo, agradável, mas rotineiro.

E é forte pena, porque o argumento de base tem graça e a galeria de secundários possui potencialidades, desde a excelente serviçal de Cucha Carvalheiro, porventura o seu melhor desempenho em cinema, até ao boçal capitão de Rogério Samora, passando por um magnífico Diogo Dória, quase em caricatura da sua "persona" fílmica. Só que tudo parece esgotar-se num "feminismo" incipiente e num decorativo profissionalismo que desaproveita o "pastiche", para o transformar num ramerame algo entediante. Funciona enquanto divertimento despretensioso, mas falta sempre o golpe de asa.

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