Fedor nauseabundo

Os "best-sellers" - ou as bestas céleres, como lhes chamava Alexandre O'Neill - possuem razões que a razão desconhece para se imporem junto dos públicos que acabam por fazer a sua fortuna. No caso de "O Perfume" de Patrick Suskind, sabe Deus, ou outra qualquer divindade, por que cheiro lhe pegou um tão grande número de leitores. Romance pseudo-histórico de componentes escatológicas - do assassínio em série ao canibalismo, passando por uma orgia gratuita - a obra parece tocar em cordas sensíveis de um "voyeurismo" (ou, melhor, "cheirismo") perverso de tal maneira se manteve na tabelas de gostos de leitura dos que, basicamente, não gostam de ler.

O filme cumpre à risca a sua função de atingir o público-alvo: é tão repugnante como o livro, ilustra com grandes meios a reconstituição histórica da época que precede a Revolução Francesa, "armando ao pingarelho" da qualidade de produção, desperdiça talento com John Hurt a dizer aquele texto indigesto e pretensioso, a fazer figura de narração distanciada e omnisciente, Dustin Hoffman, no perfumista antiquado, encarregue de iniciar a aprendizagem do protagonista, ou Alan Rickman que tem a seu cargo o pai cioso da protecção da sua ameaçada cria. Tudo básico, tudo óbvio, tudo insuportavelmente simplezinho e recheado de guarda-roupa e de armadilhas de encher o olho do espectador.

O realizador, Tom Twyker, que já tinha em seu nome o pastelão "Corre, Lola, Corre", não se poupa, e não nos poupa, a nenhum truque de baixa representação: grandes planos repetitivos de narizes, em picado e contrapicado, demagógicas câmaras lentas, que culminam no ritual da execução, encenado com o costumeiro mau gosto militante pelos Fura dels Baús, delambidos "travellings" sobre o cenário, mais um arsenal de lugares-comuns sobre o século XVIII, de perucas a labirintos, de festas a quadros miserabilistas das ruas de Paris.

Como bom pudim europeu que se preza, "O Perfume" recheia os conteúdos de imitações baratas de truques que acha capazes de captar os consumidores acríticos do cinema dominante, com uma diferença de monta: vê-se o dinheiro gasto em grandes cenas de multidão ou em arrebicados interiores, mas falta uma noção mínima de "timing" narrativo, falta a eficácia, mesmo decorativa, do cinema industrial americano.

Predomina o pechisbeque (veja-se a caricata sequência da perseguição, em que o protagonista, a pé, parece galgar inexplicáveis quilómetros), transformando o que era uma (má, péssima) fábula numa aparência grotesca de realismo, com requintes de fealdade nas cenas de rua e de trabalho nos curtumes. As duas horas e meia de duração têm o valor psicológico de séculos, de tal modo se explica tudo, se insiste na redundância caricatural. Com tudo isto, o falso "thriller", com cadáveres femininos escalpelados, ou os excursos de alcova, aborrece até à náusea, exalando um odor pestilento a requentado desejo de manipulação, com a prosa de Suskind a marcar o tom do consumo.

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