Absolvidos todos os arguidos do caso da queda da ponte de Entre-os-Rios

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Segundo a juíza, não havia ainda regras técnicas na altura do incidente que enquadrassem a actuação dos peritos João Abreu Miranda/Lusa

Os seis arguidos do caso da queda da ponte de Entre-os-Rios, quatro engenheiros da ex-Junta Autónoma de Estradas e dois de uma empresa projectista, foram hoje absolvidos dos crimes de negligência e violação das regras técnicas de que vinham acusados.

A antiga Ponte Hintze Ribeiro caiu a 4 de Março de 2001, provocando a morte de 59 pessoas, que seguiam a bordo de um autocarro e dois veículos particulares.

Na leitura do acórdão, que se prolongou por mais de quatro horas, a juíza presidente sustentou que na altura das inspecções realizadas pela ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) não havia ainda regras técnicas que enquadrassem a actuação dos peritos.

"Facilmente se conclui que os arguidos não praticaram os crimes de que vinham acusados, impondo-se a sua absolvição", sentenciou o colectivo de juízes, presidido por Teresa Silva.

Assim, Barreiros Cardoso, 66 anos, engenheiro-fiscal de pontes na ex-JAE desde 1972, e Soares Ribeiro, 82 anos, que liderava a conservação de pontes da mesma entidade desde 1981, foram absolvidos, tal como dois outros engenheiros da ex-JAE: Manuel Rosa Ferreira, 57 anos, engenheiro-fiscal, e Baptista dos Santos, 59 anos, engenheiro-chefe na Divisão de Pontes.

A absolvição abrangeu ainda Morais Guerreiro, 77 anos, e Mota Freitas, 68, dois projectistas que estudavam o alargamento ou substituição da ponte.

Com a decisão da juíza, o processo civil, em que Estado, Segurança Social e famílias reclamavam aos arguidos um total de 13,117 milhões de euros, perde o efeito.

Os seis técnicos vinham acusados de não terem feito o que estaria ao seu alcance para evitar o colapso da ponte, o que pode implicar penas de prisão até seis anos (pela negligência), agravada em um terço (pela morte de pessoas de que resultou a queda da ponte).

No acórdão de 551 páginas, afirma-se que a Justiça "só podia pronunciar-se face à prova produzida em tribunal", conjugando o que disseram peritos e testemunhos com a análise de documentos.

De tudo isto, resultou para o tribunal que não existiu a alegada violação das regras técnicos, imputada pelo Ministério Público aos seis arguidos. O conceito de "regra técnica", sinónimo de conceito jurídico aplicado a este caso e a estes arguidos no artigo 80º do despacho de pronúncia, foi mesmo rejeitado pelo colectivo de juízes presidido por Teresa Silva.

O tribunal criticou os dois grupos de peritos chamados a colaborar com a Justiça, referindo ter sido "evidente e seguro" que revelaram incapacidade para se colocarem ao tempo dos factos, "com muito menos informação e sem que as coisas tivessem acontecido".

A alegada existência de modelos matemáticos que na década de 80 permitiriam prever quando é que um pilar podia cair, referida em audiência por um dos peritos, foi desacreditada pelo colectivo de magistrados, pela "falta de certeza científica".

De resto, os juízes deram como certo que "não se fez prova de que o pilar P4 [que ruiu e arrastou o colapso da ponte] não estava em segurança". Também não ficou provado que a protecção da base do P4, com pedra, garantia a sua segurança face às sucessivas e anormais cheias de 2000 e 2001 no Rio Douro, concluiu.

Referindo-se a comportamento específico dos arguidos Morais Guerreiro e Mota Freitas, projectistas da Etecelda, o tribunal concluiu que "não é legítimo" deduzir-se que violaram as normas técnicas, como pretendia o Ministério Público. De acordo com o acórdão, os projectistas estavam incumbidos de realizar apenas um estudo prévio, elaborado no âmbito de um contrato feito "exclusivamente" para alargamento da ponte.

A ex-JAE não encomendara qualquer avaliação sobre a eventual necessidade de reforço das fundações, caso não se alargasse a ponte. Essa e a "hipótese autónoma" não era considerada no pedido feito à Etecelda, insistiu a presidente do colectivo.

Também quanto ao comportamento dos quatro engenheiros da ex-JAE, não foram produzidos reparos substantivos. No caso específico de Rosa Ferreira, o tribunal considerou que cumpriu "os padrões de exigência" que lhe eram feitos pela hierarquia competente, num pedido de inspecção à ponte. A inspecção deveria limitar-se à zona do tabuleiro e foi feita "de forma adequada", avaliou a Justiça."O despacho [que determinou a inspecção realizada por Rosa Ferreira] era para vistoriar, não para accionar trabalhos ou promover modificação da ponte", acrescentou o colectivo.

Também não se provou, segundo os juízes, que houvesse extracção de areias nas imediações da ponte na altura em que Rosa Ferreira inspeccionou a ponte - nem em todo o período entre 1998 e 2001.

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