Mosquitos no quarto

"Separados de Fresco" vem embalado e promovido como comédia romântica. Venham ver as diabruras de Vince Vaughn e Jennifer Aniston na pele de dois namorados de candeias às avessas - é isto que diz, sem dizer, o "trailer". O que é curioso é que "Separados de Fresco" não é bem uma comédia (e ainda menos romântica) embora passe boa parte do tempo a fingir que o é. Revela astúcia nesse processo: quando o espectador percebe que não lhe estão a vender aquilo que comprou já não há retrocesso possível. Haverá gente para se queixar disto, nós não - é por esta torção nas expectativas que o filme cria que "Separados de Fresco" consegue ser um pouco mais do que apenas um veículo corriqueiro para o seu par de estrelas.

Começa como centenas de outros filmes. Vaughn e Aniston conhecem-se enquanto assistem, a uns metros de distância um do outro, a um jogo de basebol. Vaughn faz um avanço mas, pouco subtil, parece não ter sorte nenhuma. Primeira elipse do filme e na cena seguinte encontramo-los, anos depois - tornaram-se um casal e partilham um apartamento em Chicago. As respectivas famílias vêm jantar com eles e isso exponencia alguns pequenos desconfortos entre o casal, de que sucintamente já tivéramos alguns sinais. Depois, quando ficam a sós, discutem e acabam num beco sem saída - o título original é "The Break Up" e é isso que acontece. Dez minutos de filme e já vimos um casal formar-se e desfazer-se. A seguir, durante uma meia-hora, o filme banaliza-se. Vaughn e Aniston ficam a partilhar a casa mas estão de relações quase cortadas. Acontecem os quiproquós previsíveis, os aconselhamentos do "melhor amigo" e da "melhor amiga", os esteréotipos do casal desavindo. Começamos a fazer a contagem decrescente para o "recasamento". (Vamos falar do final, se se incomoda com isso não leia mais). Mas acontece que a certa altura as coisas vão longe demais, vai havendo menos riso e mais gelo. Os modos silenciosos de Aniston e o estilo arruaceiro, semi-histérico, de Vaughn, adquirem gravidade inesperada, e o décor (o apartamento) torna-se pantanoso - ao fim de uma hora "Separados de Fresco" revelou a sua natureza de filme cavernoso. O que lhe interessa é mostrar "o quarto a ficar cheio de mosquitos" (citamos uma canção de Leonard Cohen) e preserva o que isso tem de espantoso: "Como é que chegámos aqui?", pergunta às tantas Vaughn, percebendo de repente, ao mesmo tempo que o espectador, que se abriu ali um buraco que engoliu as personagens. Passa-nos então pela cabeça que isto não faz sentido nenhum acabar em "recasamento".

Acaba em silêncio e num apartamento vazio - e em nova elipse antes da última cena, suficientemente ambígua para não trair o que ficou para trás. "Separados de Fresco", nem vale a pena dizer, tem imensas debilidades e pontas soltas, e um bom número de cenas falhadas. Mas tem uma ideia fixa, a que se agarra com vigor sobretudo quando desiste de se querer parecer com uma comédia romântica e se assume como crónica de uma desolação emocional. Neste tipo de filmes, convenhamos, é um projecto raro.

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