Os labirintos da corrupção

O nome de Stephen Gagham aparece sobretudo ligado a "Traffic" de Steven Soderbergh, enquanto guionista, e pode dizer-se que esse passado se reflecte em "Syriana": trata-se de um filme em que o trabalho sobre o argumento ganha especial relevância, na medida em que se aposta no "thriller" político, artificiosamente urdido. Um agente da CIA (George Clooney a fazer basicamente de George Clooney) deslinda um escândalo em torno da sua própria intervenção nos negócios do petróleo; um corporativo (Matt Damon, em registo mais subtil), perde um filho em circunstâncias trágicas; um jovem paquistanês envolve-se numa trama terrorista; um príncipe árabe procura mudar os termos das habituais negociatas e acaba vitimado pelos seus princípios idealistas. Esta abreviada (e incompleta) sinopse dá conta da estrutura em mosaico (como em "Traffic") que preside à intervenção narrativa. O objectivo passa por uma inteligente problematização política de todas as questões envolvidas, sem nunca abandonar um olhar sobre a individualidade das personagens. Onde "Syriana" começa por falhar é a nível do ritmo, da capacidade para cruzar pequenas histórias com o gigantesco fresco, quase épico, a que aspira, sem a energia que se requeria para tornar eficaz a intervenção programática. Em tempos de administrações ultra-conservadoras, como a de Bush, parecem proliferar antídotos liberais, que interrogam e contestam, e "Syriana" poderá perfilar-se dentro dessa tendência, algo generalizada, nos tempos que vão correndo. Só que opta por uma lentidão entediante e por pormenorização excessiva, desarmando a sua própria função como "arma de arremesso" contra o sistema.

As mais de duas horas de duração não correspondem à desejada desmistificação, mantendo as coordenadas de entretenimento, porque falha, em simultâneo, a possibilidade de construir um ensaio reflexivo: se a lentidão narrativa domina, a câmara parece recusar o "timing" certo para conceder ao espectador tempo para pensar e analisar. Os labirintos da corrupção não conseguem nunca estruturar-se numa estratégia credível de "suspense" fílmico: a ideia de que tudo está conectado com tudo perde-se em desnecessários excursos, dissolvendo o que realmente é forte no material ficcional em múltiplos detalhes dispersivos. A câmara à mão esborrata a cor, sem conferir individualidade à imagem, numa visão mais documental do que dramática. Por isso, os momentos culminantes do filme - a morte do filho ou o atentado aéreo, por exemplo - funcionam como oásis num deserto de ideias cinematográfico.

O truque de dividir imagem e som, fazendo coincidir visualidades de um dos painéis narrativos com sonoridades de um outro mais não consegue do que confundir a atenção do espectador, sem que se vislumbre a sua utilidade, como se o realizador e a sua experimentação sobre as técnicas do "puzzle" fossem um fim em si, de novo iludindo a razão de ser do projecto enquanto denúncia e complexificação da teia narrativa. Ou seja, a ambiciosa "montanha" de indícios acumulados pariu um "rato": os cuidados valores de produção não se reflectem no impacte do resultado final.

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